Boletim informativo do Jusclima2030
Janeiro de 2022
Neste mês o Laboratório JusClima2030 inicia o seu segundo ciclo de atividades. Para marcar a retomada deste projeto colaborativo, inauguramos nossa Newsletter sobre litigância climática. Nela, apresentaremos uma síntese dos principais desenvolvimentos e iniciativas observadas no cenário brasileiro no curso de 2021.
Há exatamente um ano, o Climate Change Environment Programme da Organização das Nações Unidas (Unep) e o Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School lançavam Relatório informativo sobre o status da litigância climática enquanto fenômeno jurídico global, no documento intitulado Global Climate Change Litigation Report — 2020 Status Review United Nations Environment Programme (2020)[1].
No corpo do Relatório, referia a Dra. Inger Andersen, Diretora Executiva da Unep, que o documento forneceria “uma visão geral do estado atual dos litígios sobre alterações climáticas em todo o mundo. Atualiza o nosso relatório de 2017 sobre o mesmo e constata que houve um rápido aumento dos litígios climáticos. Em 2017, houve 884 casos de alterações climáticas em 24 países. Em 2020, o número de casos quase duplicou com pelo menos 1.550 casos ajuizados em 38 países”. O Relatório da UNEP dedicava especial atenção à litigância climática brasileira, mencionada em várias passagens, e a indicava como uma jurisdição onde provavelmente se observaria também uma tendência de aumento das ações relacionadas à temática.
Ciente deste cenário, o JusClima2030 tomou a iniciativa, pioneira no País, de instituir uma base de dados específica para monitorar a litigância climática brasileira. De modo concomitante ao desenvolvimento da base de dados, o Laboratório postulou a alteração da tabela processual unificada[2], para que as mudanças climáticas passassem a constar como assunto específico na TPU, permitindo retratar a litigância climática com a devida acurácia técnica, diferenciando-se estas ações de outros temas correlatos à ampla matéria ambiental, e assim igualmente possibilitando a qualificação do trabalho jurisdicional no trato do tema. No último dezembro de 2021, a proposta do JusClima2030 foi aprovada, e a tabela processual unificada foi alterada pelo CNJ, passando o assunto “mudanças climáticas” a constar com código próprio (15008).
Entre as ações ajuizadas em 2021, discussões envolvendo a análise de novos textos normativos que, segundo os feitos propostos, estariam afrontando a urgente demanda científica pela redução de emissões de gases de efeito estufa, foram uma tônica visível. Dois litígios questionaram especificamente a Contribuição Nacionalmente Determinada apresentada à UNFCCC pelo Brasil (a Ação Civil Pública 1027282-96.2021.4.01.3200 e a Ação Popular 5008035-37.2021.4.03.6100). Uma terceira ação, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6932, visaria à declaração de inconstitucionalidade da Lei n. ° 14.182/2021, que aborda a privatização da Eletrobrás. Segundo a parte autora, a novidade legal traria uma inclusão compulsória de termelétricas nos anos vindouros, ocasionando um menor potencial de crescimento das fontes renováveis. Os três litígios ainda não possuem decisão definitiva sobre o mérito.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o ano de 2021 se encerrou também sem um pronunciamento de mérito nas ações sobre o Fundo Clima (ADPF 708) e sobre o Fundo Amazônia (ADO 59). Contudo, já nos primeiros dias deste mês de janeiro, seria publicado acórdão nos autos da ADPF 747 (748 e 749), que julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental e declarou a inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 500/2020. O acórdão determinou, por unanimidade de votos, a imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções CONAMA n. º s 284/2001, 302/2002 e 303/2002, como já havia definido a medida cautelar implementada, nos termos do voto da Ministra Relatora Rosa Weber.
No âmbito da jurisdição federal da Quarta Região, por sua vez, duas decisões judiciais sinalizaram um amadurecimento da compreensão sobre o conceito de litígio climático, e sobre a inexorável necessidade de inclusão, doravante, de reflexões adequadas quanto às implicações climáticas de empreendimentos e serem licenciados para operarem no país. Diferenciando uma ação civil pública ambiental de uma ação civil pública climática, em 19 de agosto de 2021 foi proferida decisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em sede de Agravo de Instrumento n. º 5033746-81.2021.4.04.000/PR, ação relatada pela Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida. Nela, consignou a Desembargadora Federal Relatora expressamente que: “… em resumo, as ações civis públicas climáticas são especiais, vocacionadas ao geral e ao internacional; comparadas com as ações civis públicas ambientais, delas são colaterais, compartilhando apenas a raiz, qual seja, o meio ambiente. A temática e o ferramental são diversos. Não há – ontologicamente – como lhes por um tipo comum”. Em 07 de dezembro de 2021, a decisão monocrática seria confirmada no julgamento colegiado do Agravo pelo TRF4.
Em agosto de 2021, na análise da Ação Civil Pública 5030786-95.2021.4.04.7100/RS, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul determinaria a inclusão, nos Termos de Referência que tratam dos processos de licenciamento de Usinas Termelétricas no Rio Grande do Sul, das diretrizes legais previstas na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e das diretrizes da Lei Estadual n. ° 13.594/2010, que criou a Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas (PGMC).
Além dos litígios climáticos que já se encontram em nossa base de dados, o Jusclima2030 também se debruçou a estudar outras ações iniciadas em unidades judiciais brasileiras e indicadas para comporem o acervo da base. Surpreendentemente, observam-se que ações judiciais ora em curso questionando, por exemplo, novos empreendimentos de exploração on shore e off shore de petróleo no Brasil, a temática das mudanças climáticas sequer é tangenciada, e as discussões centraram-se mais na exigência de oitiva e de participação das comunidades afetadas pelos empreendimentos (caso da Ação Civil Pública 0800272-46.2021.4.05.8504/SE), assim como na realização de estudos de avaliação sobre o impacto futuro em espécies da fauna e de flora (caso da Ação Civil Pública 5006604-36.2021.4.04.7200/SC). O quadro é deveras distinto quando se compilam recentes decisões proferidas em litígios climáticos ao redor do mundo, como é exemplo a ação Friends of the Earth v. State of Louisiana and American Petroleum Institute[3], em que a exigência de uma análise das emissões de gases de efeito estufa futuras (mesmo as emissões que por ventura vierem a ocorrer em outros países) foi afirmada no último 27 de janeiro pela Corte Distrital de Columbia doravante como parte fundamental de uma análise escorreita da viabilidade ou não de empreendimentos de exploração de petróleo dos Estados Unidos.
O Jusclima2030 acredita, portanto, que há ainda uma longa trajetória a ser percorrida pela litigância climática brasileira, e que devemos todos aprofundar nossos conhecimentos para contribuirmos com o melhor desenvolvimento possível do trato jurídico da temática. Neste sentido, nosso Laboratório espera continuar servindo aos operadores jurídicos como uma ferramenta de consulta, estudos e de constante aprimoramento!!
Equipe Jusclima2030
Nesta edição colaboraram as Magistradas Federais Luciana Dias Bauer e Rafaela Santos Martins da Rosa.
[1] Global Climate Litigation Report: 2020 Status Review. Nairobi. Disponível em:<https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/34818/GCLR.pdf?sequence=1&isAllowed=y>
[2] Acesso às sugestões enviados pela Coordenação do JusClima2030 ao Comitê Gestor da TPU no CNJ: <https://www.cnj.jus.br/sgt/visualizar_sugestoes.php?codigo=1491> .
[3] Íntegra da decisão proferida em 27 de janeiro de 2022 pela Corte Distrital de Columbia (EUA) pode ser consultada em: <https://ecf.dcd.uscourts.gov/cgi-bin/show_public_doc?2021cv2317-78>.