Resumo
Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 3 de abril de 2025A ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB), o Partido Socialismo e Liberdade e o Partido Rede Sustentabilidade ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Promulgação da Lei nº 14.701/2023.
Como narrativa fática, os autores asseveram que o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, com repercussão geral reconhecida (Tema nº 1.031), e rechaçou, por maioria, a teoria do “marco temporal”, tese segundo a qual os indígenas só teriam direito ao reconhecimento e demarcação de seus territórios se comprovarem presença física nestas áreas no dia 5/10/1988, data da promulgação da Constituição da República de 1988. Com isso, argumentam que o STF reafirmou a proteção constitucional dos direitos territoriais dos povos indígenas e, por conseguinte, a proteção ao meio ambiente no contexto da emergência climática.
Reportam que, após o julgamento do Recurso, ocorreu a aprovação da Lei nº 14.701/2023, em contrariedade aos termos do julgado. Reforçam que a mesma constitui o maior retrocesso aos direitos fundamentais dos povos indígenas desde a redemocratização do país. Descrevem os autores que a Lei, sob o pretexto de regulamentar o Artigo 231 da Constituição Federal, pretende alterar a Constituição da República e desfigurar os direitos nela inscritos pelo constituinte originário, impondo, aos povos indígenas, retrocessos, violências e proteção deficiente.
Como narrativa jurídica, além da adoção do marco temporal, sustenta a inicial que a norma fustigada possui outras inconstitucionalidades explícitas.
Alegam os autores que a novel legislação padece de inconstitucionalidade na medida em que:
i) altera a Constituição Federal por meio de lei ordinária,
ii) impõe formas de comprovação de expulsões forçadas unicamente por meio de conflito de fato que tenha perdurado até 5/10/1988 ou por ação possessória judicializada à data da promulgação da CRFB;
iii) veda a revisão do procedimento de demarcação de Terras Indígenas em toda e qualquer hipótese, mesmo em caso de erro;
iv) reaviva paradigmas ditatoriais, retrógrados e de cunho racista, como o assimilacionismo, integracionismo e o regime tutelar, que foram extirpados do ordenamento jurídico brasileiro com a nova ordem constitucional de 1988;
v) suprime, deliberadamente, o direito de consulta das comunidades indígenas, previsto na Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
vi) cria óbices ao processo de demarcação, em afronta ao princípio da eficiência e com o intuito de impedir a sua finalização, entre outros graves retrocessos.
Foram formulados os seguintes pedidos:
Em sede liminar, os autores postularam pela concessão de Medida Cautelar para suspender a eficácia de dispositivos da Lei nº 14.701/2023.
No mérito, requereram:
“Seja conhecida e julgada integralmente procedente esta ADI, para se confirmar, em caráter definitivo, todas as providências cautelares postuladas no item anterior, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade dos Artigos 4º, caput, incisos I, II, III e IV e §§1º, 2º, 3º, 4º e 7º; Artigo 5º, caput e parágrafo único; Artigo 6º; Artigo 9º, caput e §§1º e 2º; Artigo 10; Artigo 11, caput e parágrafo único; Artigo 13; Artigo 14; Artigo 15; Artigo 18, caput e §1º; Artigo 20, caput e parágrafo único; Artigo 21; Artigo 22; Artigo 23, caput, §§1º e 2º; Artigo 24, §3º; Artigo 25; Artigo 26, caput, §1º e incisos I, II, III e IV; Artigo 27, caput e parágrafo único; Artigo 31 e redação dada ao inciso IX do caput do Artigo 2º da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1963; Artigo 32 e redação dada ao inciso IX do caput do Artigo 2º da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 b. seja dado a interpretação conforme a constituição de 1988 aos artigos 231 e 232 – que os direitos territoriais dos povos indígenas são direitos fundamentais e portanto cláusulas pétreas.”
Em de 22 de abril de 2024 foi proferida decisão cautelar, indicando a existência de um aparente conflito entre os dispositivos da Lei 14.701/2023 e o entendimento a que chegou o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.017.365/SC (Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe 14.2.2024).
O Ministro Gilmar Mendes afirma que, do exame preambular da Lei 14.701/2023, verifica-se que, aparentemente, diversos de seus dispositivos podem ser lidos em sentido contrário ao entendimento a que chegou o Plenário do STF no julgamento do RE1.017.365/SC (tema 1031 da repercussão geral). Também referiu o Ministro que a decisão legislativa parece igualmente ter deixado de dialogar com as recentes contribuições da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o tema, que apontam para a necessidade de se conciliar o imperativo de preservação das identidades étnicas e culturais em uma sociedade democrática e pluralista no sentido da Convenção Americana com o vetor da segurança jurídica (Constituição, art. 5º, XXXVI).
Dado este contexto, determinou o Ministro Relator:
Considero necessária a concessão de medida cautelar para determinar a imediata suspensão, na forma do art. 21 da Lei 9.868/1999, de todos os processos judiciais que discutam, no âmbito dos demais órgãos do Poder Judiciário, a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, enquanto esta Suprema Corte promove a devida apreciação da conformidade da referida norma com a Constituição, à luz das balizas interpretativas já assentadas na jurisprudência da Corte sobre o tema, muitas das quais abordadas no próprio julgamento recente do RE 1.017.365/SC (tema 1031 da repercussão geral).
Concomitantemente à concessão de medida cautelar, considero relevante salientar a necessidade de que processos como os ora apreciados, que envolvem debates político-jurídicos de intenso relevo, sejam tratados de forma diferente dos métodos heterocompositivos, mormente quando os debates jurídicos são obnubilados por questões políticas e ruídos no canal usual dos diálogos institucionais entre os Poderes, fazendo jus a uma governança colaborativa do conflito, intermediado pelo Supremo Tribunal Federal.
Foi deferida parcialmente a medida cautelar requerida nas ADIs 7.582, 7.583 e 7.586 e determinada a suspensão, na forma do art. 21 da Lei 9.868/1999, de todos os processos judiciais que discutam, no âmbito dos demais órgãos do Poder Judiciário, a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, até que o Supremo Tribunal Federal se manifeste definitivamente sobre a matéria ou até eventual decisão da Corte em sentido contrário.