Resumo
Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 21 de October de 2024Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo partido REDE SUSTENTABILIDADE em face da Lei Estadual no 18.330/2022, do Estado de Santa Catarina, que “Institui a Política Estadual de Transição Energética Justa e o Polo de Transição Energética Justa do Sul do Estado de Santa Catarina e estabelece outras providências”.
Quanto às razões de inconstitucionalidade, aponta a requerente, em apertada síntese, ofensa aos artigos 1o, parágrafo único; 5o, caput e inciso I; 6o; 61, parágrafo 1o, inciso II, alínea “e”; 63, I; 167, IV, IX e XIV; 168; 170, incisos V e VI; 196; e 225, todos da Constituição Federal.
Argui a autora que a lei estadual em questão foi editada com evidente intuito de se ter “uma ‘fachada legislativa’ que será utilizada como justificativa de um suposto plano de transição energética, quando na realidade o que se tem é um mecanismo que serve apenas aos interesses econômicos da cadeia produtiva do carvão, visando adiar o inevitável fim da utilização desse combustível fóssil do século retrasado”.
No que respeita a violações formais da norma impugnada, a parte autora alega inconstitucionalidade dos artigos 16, III; 28; 29; 30; 34, §§4o e 5o; 38; 39; e 42 da Lei n. º 18.330/2022. Afirma, para tanto, que:
“ (i) Durante o trâmite legislativo, a Lei Estadual no 18.330/22 recebeu diversas emendas aditivas na ALESC que adicionaram disposições inexistentes no projeto inicial tratando de temas que invadem a competência privativa do Chefe do Executivo, criando ainda despesa em projeto de sua iniciativa exclusiva, havendo, portanto, inconstitucionalidade formal dos artigos 16, III, 28, 29, 30, 38 e 39; (ii) A Lei Estadual impugnada, especialmente nos §4o e 5º do art. 34, invade a competência legislativa privativa da União de legislar sobre energia prevista nos arts. 22, havendo, portanto, inconstitucionalidade formal dos referidos dispositivos; (iii) A Lei Estadual ao estabelecer excludente de responsabilidade ambiental no art. 42 extrapola a competência estadual concorrente, haja vista que nos termos do art. 24, VIII, §§1o e 3o da CFRB/88, a União editou a Lei Federal no, que especificamente em seu art. 14, §1o prevê a responsabilização. Há, portanto, inconstitucionalidade por vício de competência do art. 42; (iv) Diante das evidentes inconstitucionalidades, a Procuradoria-Geral de SC emitiu parecer recomendando o veto parcial da Lei impugnada, tendo o Governador do Estado vetado os artigos 16, III, 28, 29, 30, 34, §5o, 38, 39 e 42. Todavia, a ALSC derrubou o veto no dia 16/12/2022.”
No que respeita ao vértice material, refere que a norma contraria os artigos 5º, caput; 6º; 167, IV, IX, XIV, 168, 170, incisos V e VI; 196 e 225 da Constituição Federal de 1988, pelos seguintes fundamentos:
(i) É consenso científico, se alinha com o recente Pacto de Glasgow, Acordo de Paris e com os ODS da ONU, que deve haver a transição da matriz energética para fontes renováveis;
(ii) O conceito de transição energética justa (TEJ) envolve, primordialmente, o abandono da matriz energética dependente de combustível fóssil (no caso o carvão) a fim de se adotar fontes renováveis, de baixo impacto social e ambientais. Ocorre que a Lei Estadual impugnada ignora completamente esse conceito, visto que além de não estabelecer nenhum prazo para o phase out do carvão, ainda cria incentivos e benefícios fiscais para a cadeia produtiva do carvão mineral, inclusive com o fomento a instalação de novos complexos industriais movidos/relacionados a esse combustível fóssil.
(iii) A comunidade científica e o IPCC têm um consenso formado sobre a imprescindibilidade do abandono do uso do carvão como instrumento fundamental para a redução das emissões de gases de efeito estufa, e, consequentemente, do enfrentamento das mudanças climáticas. A meta estipulada é de redução de pelo menos 75% até o ano de 2030, todavia, a Lei Estadual caminha em sentido completamente contrário ao estipular incentivos à cadeia produtiva do carvão mineral.
(iv) A legislação atacada, ao não estabelecer um prazo para o phase out do carvão e garantir incentivos/benefícios e fomento às atividades da cadeia produtiva do carvão distorce o conceito de “Transição Energética Justa” e contribui para a continuidade da emissão de grande volume de GEE, e, consequentemente, para o aceleramento das mudanças climáticas;
(v) Tanto o TCU como o MME se posicionaram pela não manutenção/prorrogação dos subsídios ao carvão mineral tendo em vista que a medida, além de não atingir o fim proposto, impede que novas fontes energéticas (renováveis e sustentáveis) ganhem espaço no cenário energético nacional;
(vi) A cadeia produtiva do carvão é responsável por grande parte das emissões de gases de efeito estufa no Estado de Santa Catarina, de modo que incentivo/benefício/fomento a esse tipo de atividade viola frontalmente o Acordo de Paris;
(vii) O TCU e diversos estudos científicos mostram que o carvão extraído da região é de baixa qualidade e produz mais resíduos do que o comum, de modo que a atividade é considerada extremamente ineficiente;
(viii) O custo do carvão utilizado em Santa Catarina é elevado, o que leva à conclusão de que incentivos distorcem a competição e leva os consumidores a contratarem e pagarem por empreendimentos mais caros nos leilões, já que, mesmo que o preço da energia com o reembolso dos custos de aquisição seja mais barato, é o consumidor de energia elétrica quem custeia a subvenção, onerando assim a conta de energia paga por todos os brasileiros.
(ix) A intervenção estatal para promoção do carvão é a grande força motora de uma indústria do carvão que é ineficiente, extremamente poluidora, de alto custo e que causou, causa e, caso a lei não tenha sua inconstitucionalidade reconhecida, continuará causando, um verdadeiro desastre socioambiental.
(x) A atividade de mineração e queima de carvão mineral para geração de energia por termelétricas é responsável por causar severos danos à saúde pública (dentre outros, problemas respiratórios, cardiovasculares, má formação, câncer, redução abrupta de expectativa de vida) conforme comprova uma ampla gama de estudos científicos.
Como medida cautelar, a parte autora formulou os seguintes pedidos:
“b.1) Suspender os efeitos dos artigos 16, III, 28, 29, 30, 38 e 39 da Lei Estadual no 8.330/22, haja vista sua inconstitucionalidade formal decorrente da contrariedade aos artigos 61, §1o, II, “e” e 63, I da Constituição Federal de 1988;
b.2) Suspender os efeitos dos artigos 34, §§4º e 5º da Lei Estadual no 18.330/22, haja vista sua inconstitucionalidade formal decorrente da contrariedade aos artigos 21, XII, “b”e 22, IV da Constituição Federal de 1988.
b.3) Suspender os efeitos do art. 42 e seu parágrafo único da Lei Estadual no 18.330/22, haja vista sua inconstitucionalidade tanto formal como material decorrente, respectivamente, da contrariedade aos artigo 24, VIII, §1o e §3o e 225, §§2o e 3o da Constituição Federal de 1988;
b.4) Suspender os efeitos dos artigos 3o, 4o, II, III, VIII, 5o, II e IV, 9o, III, 11o, 13o, parágrafo único, 14, III, 20, III e VI, 26, §2o, da Lei Estadual no 18.330/22, haja vista sua inconstitucionalidade material decorrente da contrariedade aos artigos 5o, caput, 6o, 170, V e VI, 196 e 225 da Constituição Federal de 1988;
b.5) Suspender os efeitos dos artigos 20, VII e IX, 27, II, IV, VI, VII e IX, 33, II, “a”, “b” e “f” e art. 34, I a V, haja vista sua inconstitucionalidade material decorrente da contrariedade aos artigos, 170, VI e 225 da Constituição Federal de 1988;
b.6) Suspender os efeitos dos artigos 38 e 39 da Lei Estadual no 18.330/22, haja vista sua inconstitucionalidade material decorrente da contrariedade aos artigos 167, IV, IX e XIV e 168 da Constituição Federal de 1988.
b.7) Suspender a eficácia do art. 17, §3o e incisos da Lei Estadual no 18.330/22, haja vista sua inconstitucionalidade material decorrente da contrariedade aos artigos 1o, p. único e art. 5o, I da Constituição Federal de 1988.
b.8) Suspender, por arrastamento, a eficácia de todos os demais dispositivos da Lei Estadual no 18.330/22 que não foram mencionados nos pedidos “b.1” a “b.7”, haja vista que a inconstitucionalidade do contexto normativo da norma impugnada, bem a completa inaplicabilidade dos dispositivos remanescentes; (…)
Em definitivo, a inicial requer a confirmação da decisão cautelar para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos expostos acima, bem assim, por arrastamento, de todos os demais dispositivos da Lei no 18.330/2022 que não foram expressamente mencionados.
Em 1º de fevereiro de 2023, o Ministro Relator determinou a aplicação do rito abreviado do art. 12 da Lei no 9.868/99.