Ministério Público Federal vs Carlos Roberto Casagrande e outros

Divulgue esta ação

Resumo

Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 1 de julho de 2025
  • Contexto da ação: O Ministério Público Federal (MPF) promove esta Ação Civil Pública ambiental no âmbito do Projeto “Amazônia Protege”, um esforço conjunto da 4ª Câmara do MPF e diversos membros, com o objetivo de buscar a reparação do dano ambiental causado por desmatamentos na Amazônia e a retomada das áreas respectivas. O projeto visa assentar o compromisso público do MPF em ajuizar ações civis públicas para reparação de danos futuros, apresentar uma ferramenta pública para identificação e controle de áreas desmatadas, e evitar a regularização fundiária de áreas ilegalmente desmatadas. Atualmente, ações são propostas contra responsáveis por polígonos iguais ou superiores a 60 hectares desmatados ilegalmente nos anos de 2020, 2021 e 2022. A iniciativa busca obter a tutela do Poder Judiciário para reduzir a sensação de impunidade e de condescendência com práticas atentatórias ao meio ambiente. O MPF destaca que surtos de doenças, como o coronavírus, são reflexo da degradação ambiental, onde habitats selvagens são destruídos, facilitando a propagação de patógenos para rebanhos e humanos.
  • Narrativa fática: A ação civil pública tem por objeto a responsabilização pela reparação dos danos ocasionados pelo desmatamento ilícito de um total de 1751,75 hectares, perpetrado nos Municípios de Santarém e Uruará/PA. Este desmatamento foi detectado pelos sistemas oficiais e levado a cabo sem autorização do órgão ambiental estadual. O monitoramento por satélites (PRODES/INPE) indica que o desmatamento na Amazônia Legal, que esteve em queda até 2012, voltou a crescer desde então, inclusive em unidades de conservação federais. 
  • Como prova da materialidade: A prova produzida consiste em documentos relacionados à causa de pedir e perícia realizada pelo corpo técnico do Ministério Público Federal (laudo com código apgr00654534984). Essa perícia tem por objeto a delimitação de áreas desmatadas na Amazônia, com indicação dos possíveis responsáveis, em conformidade com o artigo 11 da Resolução 433/2021 do CNJ, que permite a consideração de provas produzidas exclusivamente por sensoriamento remoto ou obtidas por satélite em ações judiciais ambientais. A análise confrontou imagens de áreas desmatadas com informações divulgadas por órgãos oficiais para constatar desmatamentos ilegais de 60 hectares ou mais e vincular o titular da área. Essa tecnologia geoespacial é considerada a mais forte existente para identificar com precisão cirúrgica a área desmatada e sua extensão, sendo pública e disponível para a defesa do réu.
  • Quanto às indicações de autoria: Para a localização dos responsáveis, foram utilizados dados públicos do Cadastro Ambiental Rural (CAR), SIGEF-INCRA, SNCI-INCRA, TERRA LEGAL, e Autos de Infração e Embargo do IBAMA. O MPF atribui a responsabilidade a cada réu pela parte diretamente sobreposta ao seu cadastro público, e não pela integralidade da área desmatada.
    • PEDRO SOUZA BEZERRA: Responsável pelo desmatamento de 1224,29 hectares, segundo dados de Embargos do IBAMA.
    • CESAR RICARDO CASAGRANDE: Responsável pelo desmatamento de 213,55 hectares, segundo dados do CAR.
    • CARLOS ROBERTO CASAGRANDE: Responsável pelo desmatamento de 114,7 hectares, segundo dados do CAR.
    • JORGE CAMARGO DE OLIVEIRA: Responsável pelo desmatamento de 113,43 hectares, segundo dados de Embargos do IBAMA.

Como narrativa jurídica

  • Princípios e Normas Jurídicas referidas pela ação: A ação é fundamentada no art. 225, §3º da Constituição Federal, que dispõe sobre a sujeição dos infratores ambientais a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos. A Constituição garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225) e a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica (Art. 170, VI). A Floresta Amazônica é patrimônio nacional, e sua utilização deve assegurar a preservação ambiental (Art. 225, §4º). O Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) exige o cadastramento no CAR e prévia autorização do órgão estadual do SISNAMA para supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo. 
  • Acordos e Convenções Internacionais: A República Federativa do Brasil é signatária de compromissos internacionais como o Acordo de Paris, no qual se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e a reflorestar 12 milhões de hectares. Refere a inicial que o Tribunal Penal Internacional (TPI) classificou o Ecocídio como crime contra a humanidade, indicando que a falta de combate efetivo ao desmatamento na Amazônia pode levar à responsabilização do Brasil em cenário internacional. Além disso, diversas convenções internacionais, como a Convenção de Washington (CITES) e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), das quais o Brasil é signatário, fornecem o arcababou legal para a proteção de espécies ameaçadas, denotando o caráter transnacional dos danos causados a elas.
  • Responsabilidade Objetiva e Propter Rem: A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ou seja, independe de culpa, configurando-se pela simples relação de causalidade com o dano. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, o que significa que adere ao título da propriedade e se transfere ao futuro proprietário, mesmo que este não tenha sido o responsável direto pelos desmatamentos anteriores. O conceito legal de “poluidor” abrange tanto quem causa diretamente o dano quanto quem indiretamente contribui, facilita ou viabiliza sua ocorrência (ex: banco, órgão licenciador, financiador). Em se tratando de dano ambiental, que é indivisível por natureza, a obrigação é solidária, e cada devedor pode ser obrigado pela dívida toda (Art. 258 e 259 do Código Civil), permitindo ao autor escolher responsabilizar um, alguns ou todos os que contribuíram direta ou indiretamente para o dano (Art. 942 e 275 do Código Civil).
  • Inversão do Ônus da Prova: Diante da robusta prova pericial pré-constituída apresentada pelo MPF, e tratando-se de ação pautada na responsabilidade objetiva, é necessária a inversão do ônus da prova ab initio. O CPC/2015, em seu art. 373, § 1º, admite a inversão quando há impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo pela parte que a princípio o teria, ou maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Esse entendimento já era defendido pela doutrina para evitar o esvaziamento das normas de direito material. O princípio da precaução também implica a inversão do ônus probatório, transferindo para os réus o encargo de provar que não concorreram para o desmatamento, não o praticaram, não se omitiram ou não utilizaram a área desmatada.
  • Legitimidade Ativa do Ministério Público Federal: A Constituição Federal de 1988 incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Art. 127). O Art. 129, III, estabelece como função institucional do MP “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. A Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e outras leis infraconstitucionais reforçam essa legitimidade para proteção e reparação de danos ao meio ambiente. A legitimidade do MP é presumida, sendo identificada como defensora dos interesses indisponíveis da sociedade.
  • Competência da Justiça Federal: A competência da Justiça Federal para o julgamento da demanda é defendida por múltiplos motivos:
    • Há desmatamento que incide diretamente em área com sobreposição com a gleba federal PACOVAL.
    • O polo ativo da demanda é composto pelo MPF, órgão da União, o que, por si só, atrai a competência federal.
    • O dano objeto da ação atinge fauna e flora ameaçadas de extinção. A preservação de espécies ameaçadas é interesse direto e específico da União, manifestado por políticas federais (MMA, Pró-Espécies, listas de espécies ameaçadas) e tratados internacionais (CITES, CDB), justificando a competência federal para ilícitos cíveis e criminais.
    • Pelo Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e reflorestar áreas, tornando a responsabilização dos infratores um interesse federal.
    • O Tribunal Penal Internacional (TPI) classificou o Ecocídio como crime contra a humanidade, e o não combate ao desmatamento na Amazônia pode levar a União a ser responsabilizada internacionalmente.
    • fraude contra o sistema de monitoramento e controle do desmatamento mantido pelo Ibama, o que denota violação de interesses de autarquia federal.

Em sede de tutela provisória

  • Requerida a suspensão liminar dos cadastros ambientais rurais (CAR) dos demandados identificados na ação, para que o acesso a crédito bancário seja bloqueado nos termos do artigo 16 da Resolução 433 do Conselho Nacional de Justiça.
  • Solicitada a inversão do ônus da prova ab initio, considerando a prova pericial pré-constituída do MPF, para que os demandados tenham a oportunidade de provar a inexistência do dano e a não utilização da área desmatada.
  • Solicitada a não realização de audiência conciliatória, visto que propostas de conciliação estarão disponíveis na página eletrônica do MPF para negociação.

Em definitivo

O Ministério Público Federal requer a condenação dos demandados para:

  • Pagar quantia certa correspondente ao dano material derivado do desmatamento:
    • PEDRO SOUZA BEZERRA: R$ 13.151.323,18.
    • CESAR RICARDO CASAGRANDE: R$ 2.293.954,10.
    • CARLOS ROBERTO CASAGRANDE: R$ 1.232.107,40.
    • JORGE CAMARGO DE OLIVEIRA: R$ 1.218.465,06.
    • A quantificação do dano material segue a NOTA TÉCNICA 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA, que estabelece um valor indenizável de R$10.742,00 por hectare na Amazônia.
  • Pagar quantia certa correspondente à indenização pela emissão de CO2 na atmosfera, aplicando o protocolo para julgamento de ações ambientais do Conselho Nacional de Justiça:
    • PEDRO SOUZA BEZERRA: R$ 13.151.368,69.
    • CESAR RICARDO CASAGRANDE: R$ 2.293.978,15.
    • CARLOS ROBERTO CASAGRANDE: R$ 1.232.105,70.
    • JORGE CAMARGO DE OLIVEIRA: R$ 1.218.453,26.
    • O cálculo baseia-se no estoque de carbono no bioma amazônico (125 tC/ha), multiplicação pela área desmatada, conversão para CO2 equivalente (multiplicando por 3,66), e quantificação em U$ 5,00/tCO2 (conforme Fundo Amazônia e BNDES).
  • Pagar quantia certa correspondente ao dano moral difuso:
    • PEDRO SOUZA BEZERRA: R$ 6.575.661,59.
    • CESAR RICARDO CASAGRANDE: R$ 1.146.977,05.
    • CARLOS ROBERTO CASAGRANDE: R$ 616.053,70.
    • JORGE CAMARGO DE OLIVEIRA: R$ 609.232,53.
    • O dano moral coletivo é a injusta lesão à esfera moral de uma comunidade, pela violação antijurídica de valores coletivos, onde não há necessidade de prova de culpa.
  • Recompor a área degradada mediante sua não utilização para que seja propiciada a regeneração natural, bem como apresentação de PRAD (Projeto de Recuperação de Área Degradada) perante a autoridade administrativa competente, nas seguintes proporções:
    • PEDRO SOUZA BEZERRA: 1224,29 hectares.
    • CESAR RICARDO CASAGRANDE: 213,55 hectares.
    • CARLOS ROBERTO CASAGRANDE: 114,7 hectares.
    • JORGE CAMARGO DE OLIVEIRA: 113,43 hectares.
    • A reparação in natura é o pedido principal, visando o reflorestamento idêntico ao tamanho da área desmatada ilegalmente (1751,75 hectares no total da ação).
  • Dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85.
  • Reversão dos valores da condenação para os órgãos de fiscalização federal (IBAMA e ICMBIO) com atuação no estado, com suporte no princípio da máxima efetividade na proteção ambiental.
  • Autorização para que todo órgão de controle e fiscalização realize a imediata apreensão, retirada e destruição de qualquer bem móvel ou imóvel existente na área que esteja impedindo a regeneração natural da floresta ilegalmente desmatada.
  • Juntada de qualquer nova informação sobre responsáveis ou atividades econômicas na área para figurarem como réus da demanda, considerando o caráter propter rem da obrigação.
  • Declaração da área total desmatada ilegalmente como patrimônio público, com autorização para retomada e apreensão/destruição do que estiver impedindo a regeneração natural da floresta, exceto para propriedades menores que 4 (quatro) módulos fiscais.

Peças anexadas com a petição inicial

  • Descrição pericial anexa.
  • Perícia realizada pelo corpo técnico do Ministério Público Federal (laudo com código apgr00654534984).
  • Nota Técnica. 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA (Metodologia para Cálculo da Indenização).

Documentos disponíveis

Documentos analisados pela equipe do JusClima2030 para a catalogação do litígio.

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