Ministério Público Federal vs ARI GOMES DA SILVA e outros

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Resumo

Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 9 de julho de 2025
  • Contexto da ação: A ação ministerial, consubstanciada nesta Ação Civil Pública, é guiada pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem depender de motivações meramente econômicas. A atividade econômica, segundo a Constituição Federal (art. 170, VI), está subordinada à “defesa do meio ambiente”, que abrange os meios ambientes natural, cultural, artificial e laboral. O princípio do desenvolvimento sustentável busca o equilíbrio entre as exigências da economia e da ecologia, subordinado à preservação do meio ambiente como um direito fundamental para as presentes e futuras gerações. Diante do cenário preocupante de desmatamento crescente na Amazônia desde 2012, e da impossibilidade do IBAMA e do ICMBio de compelir materialmente o infrator a recuperar a área degradada, surgiu o Projeto “Amazônia Protege”. Este projeto é um esforço conjunto da 4ª Câmara do Ministério Público Federal e de diversos membros, com o objetivo de buscar a reparação do dano ambiental causado por desmatamentos na Amazônia, a retomada das áreas, o compromisso público do MPF de ajuizar ações civis públicas para futuros desmatamentos, a apresentação de uma ferramenta pública para identificação e controle das áreas desmatadas (para evitar seu uso econômico), e a prevenção da regularização fundiária de áreas recentemente desmatadas ilegalmente. Nesta fase, as ações são propostas contra os responsáveis por desmatamentos ilegais iguais ou superiores a 60 hectares ocorridos nos anos de 2020, 2021 e 2022. O projeto visa obter a tutela do Poder Judiciário para promover a responsabilização ambiental civil dos infratores, buscando reduzir a sensação de impunidade.
  • Narrativa fática: A presente Ação Civil Pública busca a responsabilização pela reparação dos danos decorrentes do desmatamento ilícito de um total de 861,03 hectares perpetrado no Município de LÁBREA, o qual foi detectado pelos sistemas oficiais e realizado sem autorização do órgão ambiental estadual. Segundo órgão da ONU, o surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, pois doenças transmitidas de animais para humanos aumentam à medida que habitats selvagens são destruídos pela atividade humana. O projeto PRODES/INPE monitora o desmatamento por corte raso na Amazônia Legal desde 1988, e seus dados são considerados confiáveis por cientistas. O desmatamento esteve em queda até 2012, mas voltou a crescer desde então, incluindo dentro das unidades de conservação federais. O Ministério Público Federal, o IBAMA e o ICMBio não podem compelir materialmente o infrator a recuperar a área desmatada, o que desmoraliza o poder de polícia dos órgãos ambientais federais.
  • Como prova de materialidade: A prova apresentada consiste em documentos e perícia realizada pelo corpo técnico do Ministério Público Federal (laudo com código apgr00272496114), que delimita as áreas desmatadas na Amazônia e indica os possíveis responsáveis. Essa prova utiliza tecnologia geoespacial, confrontando imagens de áreas desmatadas com informações divulgadas por órgãos oficiais, para constatar desmatamentos ilegais de 60 hectares ou mais e vincular o titular da área. Essa tecnologia é considerada a mais forte existente para casos de desmatamento, identificando com “precisão cirúrgica” a área e sua extensão, e é pública para uso do réu em sua defesa. A Resolução 433/2021 do Conselho Nacional de Justiça, em seu Art. 11, permite aos magistrados considerar provas produzidas por sensoriamento remoto ou satélite em ações judiciais ambientais. Diante dessa prova pré-constituída e da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental, infere-se a necessidade de inversão do ônus da prova desde o início do processo.
  • Quanto às indicações de autoria: Na região amazônica, a não localização dos responsáveis por desmatamentos ambientais é comum, pois a atividade produtiva costuma ocorrer 3 a 4 anos após o desmatamento para evitar responsabilização. Assim, é necessário identificar tanto os responsáveis pelo desmatamento quanto aqueles que buscam proveito econômico da sua realização, como os titulares das áreas desmatadas, em respeito à natureza propter rem da obrigação e à objetividade da responsabilidade. Para localizar os responsáveis, foram utilizados dados públicos de bancos de dados como CADASTRO AMBIENTAL RURAL (CAR), SIGEF – INCRA, SNCI – INCRA, TERRA LEGAL, e Autos de Infração e Embargo do IBAMA. Por cautela, a responsabilidade de cada réu é atribuída apenas pela parte que se sobrepõe diretamente ao seu cadastro público. Se um réu possui um CAR de 50 hectares dentro de uma área ilegalmente desmatada de 100 hectares, ele será demandado por 50 hectares. Em um mesmo processo, diferentes réus podem responder individualmente pela medida de sua responsabilidade conforme a sobreposição encontrada. A responsabilidade pela reparação do dano ambiental é de natureza propter rem. Além disso, a responsabilização pelo dano ambiental é objetiva e independe de culpa, configurando-se pela simples relação de causalidade com o dano, que, neste caso, é a relação do titular da área (possuidor ou proprietário) com a coisa. Todo aquele que tem uma relação direta com o dano ambiental, seja por tê-lo causado ou por favorecimento de uma atividade produtiva, é responsável pela reparação e preservação/regularização da área desmatada. O conceito legal de “poluidor” abrange a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental. Isso inclui aqueles que causam o dano diretamente (fazendeiros, industriais, madeireiros, mineradores, especuladores) e os que indiretamente contribuem, facilitando ou viabilizando o prejuízo (bancos, órgãos licenciadores, engenheiros, arquitetos, incorporadores, corretores, transportadores). Em matéria de dano ambiental, a responsabilidade é solidária entre todos os causadores, diretos ou indiretos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirma a natureza propter rem da obrigação de reparar danos ambientais, aplicando-se a todos os proprietários rurais, mesmo que não sejam os responsáveis por desmatamentos anteriores. O STJ também entende que, para a apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, são equiparados “quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”. A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danifica o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo, bastando o binômio dano/reparação, sem a necessidade de investigar a razão da degradação ou se a atividade apresenta risco.
  • Responsáveis e áreas/dados correspondentes:
    • ARI GOMES DA SILVA: Responsável pelo desmatamento de 447,39 hectares, segundo dados de Embargos do IBAMA.
    • MARIANA ISABEL LORENZETTI DA SILVA: Responsável pelo desmatamento de 162,69 hectares, segundo dados de Embargos do IBAMA.
    • NILSON BARRETO LEITE CHAGAS: Responsável pelo desmatamento de 121,68 hectares, segundo dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
  • Como narrativa jurídica (Fundamentos jurídicos e princípios):
    • Normas Constitucionais:
      • Art. 5º, § 1º e § 2º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata e não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição ou de tratados internacionais.
      • Art. 225: Consagra o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Incumbe ao Poder Público preservar e restaurar processos ecológicos, preservar a diversidade e integridade do patrimônio genético, definir espaços territoriais protegidos, exigir estudo prévio de impacto ambiental para obras/atividades potencialmente degradadoras, controlar produção/comercialização/emprego de técnicas/substâncias de risco, e proteger a fauna e flora.
      • Art. 225, § 3º: As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores (físicos e jurídicos) a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
      • Art. 170, VI: A ordem econômica tem como um de seus princípios a “defesa do meio ambiente”.
      • Art. 225, § 4º: A Floresta Amazônica brasileira e outras áreas são patrimônio nacional, e sua utilização deve assegurar a preservação do meio ambiente e o uso sustentável dos recursos naturais.
      • Art. 186: A função social da propriedade rural é cumprida quando atende a requisitos como a “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.
      • Art. 23, VI e VII: A preservação do meio ambiente é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
    • Legislação Infraconstitucional:
      • Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública): Fundamenta a propositura da ação civil pública ambiental (art. 1º, I e IV) para reparação de danos morais e patrimoniais ao meio ambiente. A Lei nº 8.884/94 modificou-a para incluir expressamente a reparação moral no caput do artigo 1º.
      • Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente): Adota a sistemática da responsabilidade objetiva (art. 14, § 1º), onde o poluidor é obrigado a indenizar ou reparar danos ao meio ambiente independentemente de culpa. Define “poluidor” de forma ampla (art. 3º, IV).
      • Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal): Estipula parâmetros para uso alternativo do solo e preservação ambiental. Exige cadastramento do imóvel no CAR e prévia autorização do órgão estadual competente do SISNAMA para supressão de vegetação nativa (art. 26). Qualquer desmatamento após 25 de maio de 2012 sem essa autorização é ilegal e passível de reparação.
      • Código de Processo Civil (CPC/2015): Permite a inversão do ônus da prova (art. 373, § 1º) quando há impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Autoriza a citação por edital para réus desconhecidos ou incertos (art. 256, I). Dispõe sobre os requisitos da petição inicial (arts. 319, II e 320).
      • Código Civil (Lei 10.406/2002): A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou fato não suscetíveis de divisão (art. 258). Se há mais de um devedor e a prestação não é divisível, cada um é obrigado pela dívida toda (art. 259). Autores e coautores de ofensa que causa dano respondem solidariamente pela reparação (art. 942, caput e parágrafo único). O credor pode exigir a dívida de um ou de alguns dos devedores solidários (art. 275).
      • Resolução 433/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): Permite aos magistrados considerar provas produzidas por sensoriamento remoto ou satélite em ações ambientais (art. 11).
      • Lei nº 8.171/91: Reforça a natureza propter rem da obrigação de reparação de danos ambientais.
      • Lei nº 10.683/2003, art. 27, inciso XV, alínea b: Atribui ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) a política de preservação, conservação e utilização sustentável dos ecossistemas e biodiversidade e florestas.
    • Princípios:
      • Princípio do desenvolvimento sustentável: Busca o equilíbrio entre as exigências da economia e da ecologia.
      • Princípio da defesa do meio ambiente: Traduz um conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, cultural, artificial e laboral.
      • Princípio da boa-fé e da cooperação: Aplicável no processo civil.
      • Princípio in dubio pro natura: Inverte o ônus da prova em casos ambientais.
      • Princípio da precaução: Permite analisar a necessidade de uma atividade e impedir empreendimentos com possíveis riscos ao ambiente, valorando os bens jurídicos em jogo. Implica na inversão do ônus da prova.
      • Princípio Poluidor-Pagador: Quem polui paga pelos danos e pelo restabelecimento das condições anteriores.
    • Jurisprudência:
      • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento sobre a natureza propter rem da obrigação de reparar danos ambientais e a responsabilidade objetiva do poluidor.
      • A jurisprudência também é pacífica em admitir a condenação por dano moral coletivo do infrator ambiental.
      • A competência da Justiça Federal para julgamento de causas ambientais é estabelecida quando a União, autarquias ou empresas públicas federais são interessadas (art. 109, I da CF), como no caso da propositura pelo Ministério Público Federal. Interesses federais qualificam-se por envolver bens da União (como terrenos de marinha), poder de polícia de autarquias federais (IBAMA), ou espécies ameaçadas de extinção que são objeto de esforços federais e tratados internacionais.
  • Em sede de tutela provisória:
    • A suspensão liminar dos cadastros ambientais rurais dos demandados para bloqueio de acesso a crédito bancário, nos termos do artigo 16 da Resolução 433 do Conselho Nacional de Justiça.
  • Em definitivo:
    • Condenação dos demandados à obrigação de fazer, consistente em recompor a área degradada mediante sua não utilização para propiciar a regeneração natural e apresentação de Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD) perante a autoridade administrativa competente, nas seguintes proporções:
      • ARI GOMES DA SILVA na área de 447,39 hectares.
      • MARIANA ISABEL LORENZETTI DA SILVA na área de 162,69 hectares.
      • NILSON BARRETO LEITE CHAGAS na área de 121,68 hectares.
    • Condenação dos demandados em obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao dano material derivado do desmatamento (calculado em R$ 10.742,00 por hectare):
      • ARI GOMES DA SILVA: R$ 4.805.863,38.
      • MARIANA ISABEL LORENZETTI DA SILVA: R$ 1.747.615,98.
      • NILSON BARRETO LEITE CHAGAS: R$ 1.307.086,56.
    • Condenação dos demandados em obrigação de pagar quantia certa, correspondente à indenização pela emissão de CO2 na atmosfera em decorrência do desmatamento ilegal (aplicando o protocolo do CNJ, com valor de U$ 5,00/tCO2 equivalente):
      • ARI GOMES DA SILVA: R$ 4.805.837,53.
      • MARIANA ISABEL LORENZETTI DA SILVA: R$ 1.747.589,16.
      • NILSON BARRETO LEITE CHAGAS: R$ 1.307.053,92.
    • Condenação dos demandados em obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao dano moral difuso:
      • ARI GOMES DA SILVA: R$ 2.402.931,69.
      • MARIANA ISABEL LORENZETTI DA SILVA: R$ 873.807,99.
      • NILSON BARRETO LEITE CHAGAS: R$ 653.543,28.
    • Dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85.
    • Reversão dos valores da condenação para os órgãos de fiscalização federal (IBAMA e ICMBio) com atuação no estado, com suporte no princípio da máxima efetividade na proteção ambiental.
    • Autorização a todo órgão de controle e fiscalização para a imediata apreensão, retirada e destruição de qualquer bem móvel ou imóvel existentes na área que estejam impedindo a regeneração natural da floresta ilegalmente desmatada.
    • Juntada à presente ação de qualquer nova informação encontrada pelos órgãos de controle e fiscalização sobre pessoas que praticaram o dano ou que estejam realizando qualquer atividade econômica ou exploração da área, para figurarem como réus da demanda, considerando o caráter propter rem da obrigação.
    • Declaração da área total ilegalmente desmatada como patrimônio público, com autorização para que todas as autoridades administrativas responsáveis efetuem a retomada da área com a respectiva apreensão e/ou destruição do que estiver impedindo a regeneração natural da floresta, exceto para propriedades menores do que 4 módulos fiscais nos termos da legislação federal.
  • Lista de peças anexadas com a petição inicial:
    • Descrição pericial anexa.
    • Laudo pericial com código apgr00272496114.
    • NOTA TÉCNICA. 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA (Anexo 1).

No dia 29/04/2025 foi proferida Decisão determinando a intimação do MPF para, no prazo de 15 (quinze) dias, emendar a petição inicial, prestando esclarecimentos, sob pena de indeferimento da inicial. 

Documentos disponíveis

Documentos analisados pela equipe do JusClima2030 para a catalogação do litígio.

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