MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vs LUIZ CARLOS CAGNAN e outros

Divulgue esta ação

Resumo

Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 4 de julho de 2025
  • A presente Ação Civil Pública (ACP) ambiental busca a responsabilização pela reparação de danos ambientais causados por desmatamento ilegal de 929,29 hectares de floresta primária na Amazônia, especificamente no Município de Lábrea. Este desmatamento foi detectado por sistemas oficiais e realizado sem autorização do órgão ambiental estadual.

A ação integra o Projeto “Amazônia Protege”, uma iniciativa do Ministério Público Federal que visa não apenas a reparação de danos passados, mas também a prevenção de novos desmatamentos, a desarticulação de atividades econômicas ilegais em áreas desmatadas e a interrupção da regularização fundiária de terras desmatadas ilegalmente. O Ministério Público Federal enfatiza a necessidade da atuação judicial para promover a responsabilização civil ambiental e reduzir a sensação de impunidade.

A responsabilidade pelo dano ambiental é arguida como objetiva e propter rem, ou seja, independe de culpa e adere à propriedade, transferindo-se aos seus titulares, sejam eles proprietários ou possuidores. A ACP busca a condenação dos réus em obrigação de fazer (reflorestamento da área degradada) e em indenizações por danos materiais, pela emissão de CO2 e por dano moral coletivo.

  • Contexto da ação: A ação ministerial é parte do Projeto “Amazônia Protege”, um esforço conjunto da 4ª Câmara do Ministério Público Federal e de diversos membros. O projeto tem como diretriz a proteção do meio ambiente, que não pode ser comprometida por interesses empresariais ou econômicos, devendo prevalecer o princípio da “defesa do meio ambiente”.

Os objetivos do Projeto “Amazônia Protege” são:

  • Buscar a reparação do dano ambiental causado por desmatamentos na Amazônia e a retomada das áreas.
  • Assentar o compromisso público do Ministério Público Federal de ajuizar ações civis públicas para reparação de danos futuros.
  • Apresentar à sociedade uma ferramenta pública para identificação e controle de áreas desmatadas, evitando sua utilização econômica.
  • Evitar a regularização fundiária de áreas recém-desmatadas ilegalmente.

Nesta fase, as ações são propostas contra os responsáveis por polígonos de desmatamento ilegal iguais ou superiores a 60 hectares ocorridos nos anos de 2020, 2021 e 2022. O projeto visa obter a tutela do Poder Judiciário para promover a responsabilização ambiental civil dos infratores, diminuindo a sensação de impunidade.

  • Narrativa fática: O desmatamento ilegal na Amazônia, monitorado por satélites pelo PRODES/INPE, apresentou queda até 2012, mas voltou a crescer desde então. Essa tendência também é observada dentro das unidades de conservação federais.

Constata-se que o IBAMA e o ICMBio, no âmbito administrativo, não podem compelir materialmente os infratores a recuperar as áreas desmatadas devido à falta de autoexecutoriedade, o que desmoraliza o poder de polícia dos órgãos ambientais.

A presente ação civil pública visa a responsabilização pela reparação do desmatamento ilícito de 929,29 hectares no Município de LÁBREA, detectado por sistemas oficiais e realizado sem autorização do órgão ambiental estadual.

  • Como prova da materialidade: A prova principal consiste em uma perícia realizada pelo corpo técnico do Ministério Público Federal (laudo com código apgr00272566307). Esta perícia utiliza sensoriamento remoto e imagens de satélite para delimitar as áreas desmatadas na Amazônia, em conformidade com o artigo 11 da Resolução 433/2021 do CNJ, que permite a consideração dessas provas em ações judiciais ambientais.

A análise pericial confrontou imagens de áreas desmatadas com informações de órgãos oficiais para constatar desmatamentos ilegais de 60 hectares ou mais, procedendo então ao embargo da área e vinculando o titular. O MPF afirma que a tecnologia geoespacial utilizada oferece “precisão cirúrgica” na identificação e extensão das áreas desmatadas, sendo considerada a prova mais robusta existente, superando em segurança e força probatória até mesmo vistorias de campo, que são de alto custo e difícil realização. Essa tecnologia é pública e está à disposição dos réus para sua defesa.

  • Quanto às indicações de autoria: Na região amazônica, é comum a dificuldade em localizar os responsáveis por desmatamentos, pois a atividade produtiva costuma ocorrer anos após o desmatamento para evitar responsabilização. Para lidar com isso, a ação busca identificar tanto os causadores do desmatamento quanto aqueles que se beneficiam economicamente, como os titulares das áreas desmatadas, com base na natureza propter rem da obrigação e na responsabilidade objetiva.

Para identificar os responsáveis, o MPF utilizou dados públicos de diversas bases, incluindo Cadastro Ambiental Rural (CAR), SIGEF – INCRA, SNCI – INCRA, TERRA LEGAL e Autos de Infração e Embargo do IBAMA. A responsabilidade é atribuída individualmente pela parte da área desmatada que se sobrepõe ao cadastro público de cada réu. A responsabilidade pela reparação decorre da natureza propter rem da obrigação reparatória e da responsabilidade objetiva, ou seja, independe de culpa e se configura pela simples relação de causalidade com o dano, traduzida pela relação do titular (possuidor ou proprietário) com a coisa.

  • Responsáveis e áreas/dados correspondentes:
    • PAULO VICENTE DA SILVA: responsável por 378,78 hectares de desmatamento, conforme dados de Embargos do IBAMA.
    • RAQUEL PINHEIRO VIDAL: responsável por 331,36 hectares de desmatamento, conforme dados do CAR.
    • LUIZ CARLOS CAGNAN: responsável por 140,76 hectares de desmatamento, conforme dados do CAR.
    • SILVINO NETTO JUNIOR: responsável por 117,77 hectares de desmatamento, conforme dados do CAR.
  • Como narrativa jurídica:
    • Fundamento Constitucional: O Art. 225, §3º da Constituição Federal impõe sanções penais e administrativas a infratores ambientais, independentemente da obrigação de reparar os danos. O meio ambiente equilibrado é um direito fundamental e bem de uso comum, que deve ser defendido e preservado para as presentes e futuras gerações.
    • Desmatamento Ilegal: O Código Florestal Brasileiro (Lei n.º 12.651/2012) exige prévia autorização do órgão ambiental competente para supressão de vegetação nativa após 25 de maio de 2012. Qualquer desmatamento sem essa autorização é ilegal e passível de reparação.
    • Responsabilidade Objetiva e Propter Rem: A Lei nº 6.938/81 adota a responsabilidade objetiva pelo dano ambiental (Art. 14, §1º), ou seja, o poluidor é obrigado a indenizar ou reparar os danos independentemente de culpa. Além disso, a obrigação de reparação ambiental possui natureza propter rem, aderindo ao título da propriedade e transferindo-se ao futuro proprietário, mesmo que não tenha sido o responsável pelo desmatamento anterior.
    • Conceito Amplo de Poluidor: O termo “poluidor” (Art. 3º, IV, da Lei nº 6938/81) é amplo, abrangendo não apenas quem causa diretamente o dano, mas também quem indiretamente contribui, facilita ou viabiliza o prejuízo.
    • Solidariedade da Obrigação: Em caso de múltiplos autores de dano ambiental, todos respondem solidariamente pela reparação (Código Civil, Art. 942). O credor pode exigir a totalidade da dívida de um ou de alguns dos devedores. A infração ambiental, por ser indivisível, implica responsabilidade solidária.
    • Inversão do Ônus da Prova: O princípio da precaução e o Art. 373, § 1º do CPC/2015 permitem a inversão do ônus da prova, especialmente em causas de dano ambiental, transferindo ao demandado o encargo de provar que sua conduta não causou riscos ou que não contribuíram para o desmatamento. A robusta prova pericial do MPF, baseada em sensoriamento remoto, justifica essa inversão.
    • Competência da Justiça Federal: A competência da Justiça Federal é arguida por diversos motivos:
      • Desmatamento em área com sobreposição à gleba federal (GLEBA JOAO BENTO) e a menos de 30km de unidades de conservação federais (FLONA do Iquiri) e terras indígenas (Kaxarari), afetando bens federais.
      • O MPF, órgão da União, figura como autor da demanda.
      • O dano atinge fauna e flora ameaçadas de extinção, caracterizando interesse federal.
      • Compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como o Acordo de Paris, que envolvem metas de desmatamento zero e reflorestamento na Amazônia, implicam interesse federal.
      • A classificação do ecocídio como crime contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional pode levar à responsabilização da União no cenário internacional caso não haja combate efetivo ao desmatamento.
      • Fraude contra o sistema de monitoramento e controle de desmatamento mantido pelo IBAMA. A jurisprudência do STJ corrobora a competência da Justiça Federal quando o MPF é autor ou quando bens e interesses federais são afetados, incluindo a proteção de espécies ameaçadas de extinção.
  • Principais fundamentos legais:
    • Constituição Federal de 1988: Art. 5º, §1º, §2º, XXIII; Art. 23, VI e VII; Art. 24, VI, VII e VIII; Art. 109, I, III, XI; Art. 127; Art. 129, III; Art. 170, III e VI; Art. 186, I e II; Art. 192; Art. 225, caput, §1º, §3º, §4º.
    • Leis Federais:
      • Lei nº 7.347/85 (Ação Civil Pública): Art. 1º, I e IV; Art. 5º; Art. 18.
      • Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente): Art. 3º, IV; Art. 4º, VII; Art. 14, §1º; Art. 18.
      • Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal): Art. 26.
      • Lei nº 4.771/65 (Antigo Código Florestal).
      • Lei nº 7.735/89: Art. 4º.
      • Lei nº 8.171/91.
      • Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC): Art. 81, parágrafo único; Art. 82, I.
      • Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União).
      • Lei nº 10.406/2002 (Código Civil): Art. 258; Art. 259; Art. 275; Art. 927, parágrafo único; Art. 932; Art. 942.
      • Lei nº 10.192/01: Art. 1º.
      • Lei nº 10.683/2003: Art. 27, XV, b.
      • Lei nº 9.605/98 (Crimes Ambientais): Art. 29, caput; Art. 70 a 72, II e VII.
      • Lei nº 9.985/2000: Art. 54.
      • Decreto-Lei nº 857/69: Art. 1º e 2º.
      • Decreto nº 3.607/2000 (CITES no Brasil).
    • Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015): Art. 5º; Art. 6º; Art. 256, I, §2º, §3º; Art. 319, II; Art. 320; Art. 373, §1º; Art. 405; Arts. 464-480.
    • Resoluções e Portarias:
      • Resolução 433/2021 do CNJ: Art. 11; Art. 16.
      • Recomendação CNJ, Ato Normativo 0005977-94.2023.2.00.0000 (Protocolo para Julgamento de Ações Ambientais).
      • Portaria MMA n.º 43/2014 (Pró-Espécies).
      • Portaria nº 443/2014 – Flora Ameaçada; Portaria nº 444/2014 – Fauna Ameaçada; Portaria nº 445/2014 – Peixes e Invertebrados Aquáticos Ameaçados.
    • Tratados Internacionais: Acordo de Paris; Convenção de Washington (CITES); Convenção para a Proteção da Flora, Fauna e Belezas Cênicas Naturais dos Países da América; Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB); Convenção Interamericana para a Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas (IAC/CIT); Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres (CMS); Acordo para a Conservação de Albatrozes e Petréis (ACAP); Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional.
  • Em sede de tutela provisória: O Ministério Público Federal requer, em caráter liminar, as seguintes medidas:
    • A suspensão liminar dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR) dos demandados para bloqueio de acesso a crédito bancário, conforme Art. 16 da Resolução 433 do CNJ.
    • A inversão do ônus da prova ab initio, atribuindo aos demandados a oportunidade de provar a inexistência do dano e a não utilização da área desmatada, dada a prova pericial pré-constituída apresentada pelo MPF.
    • A não realização de audiência conciliatória inicial, pois as propostas de conciliação estarão disponíveis na página eletrônica do MPF para negociação.
    • A autorização para que órgãos de controle e fiscalização apreendam, retirem e destruam imediatamente qualquer bem móvel ou imóvel na área que esteja impedindo a regeneração natural da floresta ilegalmente desmatada.
    • A juntada de novas informações sobre pessoas que praticaram o dano ou estejam explorando economicamente a área para que figurem como réus, considerando o caráter propter rem da obrigação.
    • A declaração da área total desmatada ilegalmente como patrimônio público, com autorização para que as autoridades administrativas efetuem a retomada e a apreensão/destruição de obstáculos à regeneração natural, exceto para propriedades menores que 4 módulos fiscais.
  • Em definitivo: O Ministério Público Federal requer a condenação dos demandados nas seguintes obrigações:
    • Obrigação de Fazer (Reparação in natura): Recompor a área degradada mediante sua não utilização para propiciar a regeneração natural, bem como apresentação de PRAD (Projeto de Recuperação de Área Degradada) perante a autoridade administrativa competente, na seguinte proporção:
      • PAULO VICENTE DA SILVA: 378,78 hectares.
      • RAQUEL PINHEIRO VIDAL: 331,36 hectares.
      • LUIZ CARLOS CAGNAN: 140,76 hectares.
      • SILVINO NETTO JUNIOR: 117,77 hectares.
    • Obrigação de Pagar Quantia Certa (Danos Materiais): Indenização pelo desmatamento, calculada em R$10.742,00 por hectare:
      • PAULO VICENTE DA SILVA: R$ 4.068.854,76.
      • RAQUEL PINHEIRO VIDAL: R$ 3.559.469,12.
      • LUIZ CARLOS CAGNAN: R$ 1.512.043,92.
      • SILVINO NETTO JUNIOR: R$ 1.265.085,34.
    • Obrigação de Pagar Quantia Certa (Indenização pela Emissão de CO2): Calculada com base no protocolo para julgamento de ações ambientais do CNJ, considerando o valor de U$5,00/tCO2 equivalente:
      • PAULO VICENTE DA SILVA: R$ 4.068.857,63.
      • RAQUEL PINHEIRO VIDAL: R$ 3.559.511,26.
      • LUIZ CARLOS CAGNAN: R$ 1.512.027,64.
      • SILVINO NETTO JUNIOR: R$ 1.265.050,99.
    • Obrigação de Pagar Quantia Certa (Dano Moral Coletivo):
      • PAULO VICENTE DA SILVA: R$ 2.034.427,38.
      • RAQUEL PINHEIRO VIDAL: R$ 1.779.734,56.
      • LUIZ CARLOS CAGNAN: R$ 756.021,96.
      • SILVINO NETTO JUNIOR: R$ 632.542,67.
    • Reversão dos valores da condenação: Para os órgãos de fiscalização federal (IBAMA e ICMBio) com atuação no estado.
    • Dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, conforme Art. 18 da Lei nº 7.347/85.
  • Lista de peças anexadas com a inicial:
    • Descrição pericial (anexa).
    • Laudo pericial com código apgr00272566307.
    • Laudo pericial detalhando a metodologia de cruzamento de dados (anexo).
    • NOTA TÉCNICA. 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA, sobre custos de recuperação de área degradada (anexada à inicial).

Documentos disponíveis

Documentos analisados pela equipe do JusClima2030 para a catalogação do litígio.

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