Resumo
Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 28 de March de 2022Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Rondônia com pedido de medida cautelar, em face dos arts. 1º, caput, e seus parágrafos 1º e 2º; art. 2º, caput, e seus parágrafos 1º e 2º; art. 15, caput, e seu parágrafo único; art. 17, caput e seus incisos; bem como dos Anexos I, II, V, VI, VII e VIII, todos da Lei Complementar estadual n. 1.089, de 20 de maio de 2021 (DIOF Edição Suplementar n. 104.2, de 20 de maio de 2021), a qual “Altera os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim e cria o Parque Estadual Ilha das Flores, o Parque Estadual Abaitará, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro e a Reserva de Fauna Pau D’Óleo”.
Afirma a parte autora que a Lei complementar n. 1.089/2021 reduz a área da Reserva Extrativista Jaci-Paraná de 191 mil para 22.487,818 hectares e da área do Parque Estadual de Guajará-Mirim, de 216 mil para 166.034,71 hectares; estabelecendo aos proprietários ou possuidores nas áreas desafetadas da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará Mirim a regularização ambiental da propriedade ou posse.
Requereu o deferimento de medida cautelar, inaudita altera pars e ad referendum do e. Tribunal Pleno para a suspensão da eficácia dos dispositivos, o que se postulou com fundamento no art. 1º, VII, da Resolução n. 71/2009 do Conselho Nacional de Justiça e na jurisprudência do STF (ADI 6484-MC10, ADPF 130/DF-MC, ADI 4.307/DF-MC).
Foram admitidos como amicus curiae na Ação: a) a Associação dos Produtores Rurais Minas Novas (ASPROMIN), b) a Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé), c) a Organização dos Povos Indígenas da Região de Guajará-Mirim (Oro Wari), d) a Ação Ecológica Ecoporé (Ecoporé), a Associação SOS Amazônia (SOS Amazônia), e e) a WWF-Brasil, Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil).
Em julgamento publicado em 17.02.2022, o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia declarou a inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual 1081/2021, com efeitos ex tunc. A decisão foi relatada pelo desembargador José Jorge Ribeiro da Luz, ficando parcialmente vencido o Magistrado Jorge Luiz dos Santos Leal, que declarava apenas a inconstitucionalidade formal da norma questionada.
Referiu a Corte que é inconstitucional lei estadual que sem prévios estudos técnicos, desafeta significativa área de unidade de conservação, por violação aos princípios da precaução, prevenção e vedação ao retrocesso ambiental.
Afirmou, pelo princípio da natureza pública (ou obrigatoriedade) da proteção do meio ambiente, que encontra fundamento no art. 225 da Constituição Federal, que é dever irrenunciável do Poder Público promover a proteção ao meio ambiente, por ser bem difuso, indispensável à vida humana sadia, não se justificando a desafetação de unidade de conservação sob a justificativa da antropização e degradação.
Asseverou, ainda, que atuação política ou legislativa que visa interesses patrimoniais individuais ou categorizados em detrimento da proteção do meio ambiente, vulnera este direito difuso, viola os princípios da ubiquidade e solidariedade intergeracional.
Referiu a decisão que qualquer projeto que possa ocasionar significativo impacto ao meio ambiente, deve ser precedido de estudos técnicos, sob pena de violação aos princípios da precaução e prevenção.
Não haveria dúvida, segundo o julgado, que a desafetação de 219.160,23 hectares das unidades de conservação importa em significativo impacto ambiental.
Embora o Parlamento alegue que foram realizados os estudos necessários, afirma a decisão que o órgão ambiental constatou em seu parecer a ausência dos estudos técnicos, a fim de mensurar os impactos da desafetação das unidades de conservação, mapear e identificar a população residente.
O Poder Público seria, portanto, obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas, conforme o disposto no art. 22, §3º, da Lei Federal n. 9.985/2000, bem como no art. 21, §§ 1º e 2º, da Lei Estadual n. 1.144/2002.
No voto condutor, foi ressaltado que a consulta pública seria verdadeiro exemplo de concretização do Princípio Democrático, com a finalidade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade, consistindo em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas, devendo o órgão executor competente indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as implicações para a população residente no interior e no entorno da proposta.
Não haveria informação nos autos quanto à consulta prévia realizada pelo órgão ambiental às populações tradicionais e a comunidade local afetada. E ainda que houvesse não se poderia concluir, consoante a decisão, que fora clara quanto aos impactos do projeto de lei, haja vista que não foi realizado estudo técnico para tanto.
Assim, a decisão reputou imprescindível que a consulta pública fosse realizada a par dos estudos realizados quanto aos impactos da desafetação das unidades de conservação, a fim de possibilitar a população o acesso à informação de forma clara e prévia.
Reforçou a decisão que para que se concretize a participação popular a consulta deve ser prévia, livre e informada, conforme art. 6º da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (OIT 69), ratificada pelo Brasil.
Em seu voto, o Desembargador Miguel Mônico referiu que a criação das unidades de conservação já era recomendável na época em que se deram os atos normativos que as instituiu, e que agora, no tempo presente, crescem sua relevância, onde as mudanças climáticas ocupam uma preocupação mundial de todos os governos, inclusive do governo brasileiro, pois os eventos climáticos aumentaram em intensidade e quantidade, afetando a economia, a produção de alimentos no ambiente rural, a saúde e a vida das pessoas com a escassez de recursos naturais.
Ponderou que os impactos ambientais oriundos da conversão de florestas pela abertura de novas frentes de projetos agropecuários, acaso se concretize a redução/inviabilização das unidades, ameaçam não apenas o meio ambiente como um todo, a segurança hídrica, a segurança do sistema climático, a fertilidade dos solos, o ar atmosférico, a fauna e a flora, a saúde e a vida de presentes e futuras gerações dos seres humanos, mas a própria sustentabilidade da agricultura e pecuária e as exportações de produtos rondonienses e brasileiros, essenciais para a economia.
O Desembargador abiu tópico específico para abordar a afetação ao sistema climático pela Lei questionada, referindo a consequência global da norma objeto de análise:
“V.b) Sistema Climático – Consequência Global
Dito isso, oportuno mencionar, outrossim, o Acordo de Paris, no qual o Brasil assumiu uma meta ainda maior de redução de suas emissões provenientes no setor florestal e de mudanças no uso da terra, bem como o compromisso de atingir o desmatamento ilegal zero até 2030 e de promover o manejo florestal sustentável, criando planos de prevenção e controle do desmatamento em âmbito Federal (http://combateaodesmatamento.mma.gov.br).”
Não se poderia, segundo o Desembargador Miguel, olvidar o trágico momento que vive a humanidade em relação à emergência climática. O Poder Público não poderia deixar de observar os esforços para a manutenção da sustentabilidade tampouco depreciar o interesse público das presentes e futuras gerações, colocando em risco o mínimo existencial. Referiu, por fim, a necessária reflexão sobre o potencial Estado de coisas inconstitucional ecológico (e climático), apontando a possibilidade de identificar situações de profunda e sistemática incapacidade institucional do Estado – em especial, do Poder Executivo Federal – de gerenciar as políticas públicas ambientais de modo minimamente eficiente e suficiente (em face do princípio da proibição de proteção insuficiente ou deficiente).