Resumo
Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 4 de julho de 2025- O Ministério Público Federal, no contexto do Projeto AMAZÔNIA PROTEGE, ingressou com Ação Civil Pública em desfavor de ANA ZILDA RODRIGUES DE SOUZA, ANTONIO ROZENO DA SILVA, LEOMARA TAVARES DA SILVA, PAULO DE SOUZA LISBOA, TANIA ALVES DA SILVA LISBOA. Esta fase do Projeto foca em ações contra responsáveis por desmatamentos ilegais de 60 hectares ou mais ocorridos em 2020, 2021 e 2022, visando a responsabilização civil e a redução da impunidade.
- Narrativa fática: O Ministério Público Federal refere que esta ação civil pública tem por objeto a responsabilização pela reparação dos danos ocasionados pelo desmatamento ilícito de um total de 204,32 hectares perpetrado no Município de APUÍ/AM, detectados pelos sistemas oficiais e levado a cabo sem autorização do órgão ambiental estadual. A responsabilidade por dano ambiental é objetiva e de natureza propter rem, o que significa que ela independe de culpa ou dolo e adere à propriedade, transferindo-se ao titular da área (possuidor ou proprietário), mesmo que não seja o causador direto do desmatamento. O conceito de “poluidor” é amplo, abrangendo qualquer pessoa física ou jurídica que, direta ou indiretamente, seja responsável por atividade causadora de degradação ambiental, incluindo quem facilita ou viabiliza o dano ou se beneficia dele. A obrigação de reparar o dano ambiental é indivisível e solidária, permitindo que o credor exija a reparação total de qualquer um dos devedores.
- Como prova da materialidade: Como prova da materialidade, o autor indica que a mesma consiste em documentos relacionados à causa de pedir e perícia realizada pelo corpo técnico do Ministério Público Federal (laudo com código apgr00443107013) que tem por objeto a delimitação de áreas desmatadas na Amazônia, com indicação dos possíveis responsáveis na linha do que dispôs o artigo 11 da Resolução 433/2021 do CNJ. Esta prova utiliza tecnologia geoespacial para identificar com precisão cirúrgica a área desmatada e sua extensão, sendo considerada a mais forte existente e disponível publicamente para a defesa do réu.
- Responsáveis e áreas/dados correspondentes: A identificação dos responsáveis é feita confrontando imagens de áreas desmatadas com informações de bancos de dados públicos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), SIGEF-INCRA, SNCI-INCRA, TERRA LEGAL, e autos de infração e embargo. Cada réu responde individualmente na medida da sobreposição do seu cadastro público com a área ilegalmente desmatada. Os demandados e as áreas pelas quais são responsáveis, segundo dados do CAR, são:
- ANA ZILDA RODRIGUES DE SOUZA: 149,15 hectares.
- ANTONIO ROZENO DA SILVA: 97,47 hectares.
- PAULO DE SOUZA LISBOA: 79,61 hectares.
- TANIA ALVES DA SILVA LISBOA: 79,61 hectares.
- LEOMARA TAVARES DA SILVA: 61,26 hectares.
Principais fundamentos legais:
A presente Ação Civil Pública baseia-se em diversos dispositivos constitucionais, leis específicas e compromissos internacionais, que fundamentam a proteção ambiental, a responsabilidade por danos e a competência da Justiça Federal:
- Constituição Federal de 1988:
- Art. 5º, §§ 1º e 2º: Assegura a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais e a inclusão de outros direitos decorrentes de tratados internacionais dos quais o Brasil é parte.
- Art. 225, caput e §§ 1º, 3º e 4º: Garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Estabelece que condutas lesivas sujeitarão os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos. Declara a Floresta Amazônica brasileira como patrimônio nacional, cuja utilização deve assegurar a preservação ambiental.
- Art. 170, VI: Inclui a defesa do meio ambiente como um dos princípios gerais da ordem econômica.
- Art. 23, VI e VII: Define a proteção do meio ambiente como competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
- Art. 109, I: Fixa a competência dos juízes federais para processar e julgar causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal sejam interessadas.
- Art. 186: Trata da função social da propriedade rural, que deve incluir a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.
- Art. 127 e 129, III: Atribuem ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e a função de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
- Leis Específicas:
- Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública): Fundamenta a propositura da Ação Civil Pública para responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente. Permite a dispensa de custas (Art. 18).
- Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente): Adota a responsabilidade objetiva para o poluidor, que é obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente, independentemente de culpa (Art. 14, §1º). Define “poluidor” (Art. 3º, IV).
- Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal): Estabelece que a supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, após 25 de maio de 2012, depende de cadastramento no CAR e prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama (Art. 26).
- Lei nº 5.173/66: Define a abrangência da Amazônia Legal.
- Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União): Ampliam a legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses difusos e coletivos.
- Lei nº 8.884/94: Incluiu a reparação do dano moral no rol de pedidos possíveis em Ações Civis Públicas ambientais.
- Lei nº 10.683/2003: Atribui ao Ministério do Meio Ambiente a política de preservação e conservação da biodiversidade.
- Código Civil (Lei 10.406/2002): Disciplina a obrigação indivisível (Art. 258, 259) e a responsabilidade solidária (Art. 942, parágrafo único; Art. 275) na reparação de danos.
- Código de Processo Civil (CPC/2015): Fundamenta a citação por edital para demandados desconhecidos (Art. 256, I) e a inversão do ônus da prova (Art. 373, § 1º).
- Resolução 433/2021 do Conselho Nacional de Justiça: Permite que magistrados considerem provas produzidas por sensoriamento remoto ou satélite em ações judiciais ambientais (Art. 11).
- Acordos/Convenções Internacionais:
- Acordo de Paris: O Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e reflorestar áreas degradadas.
- Classificação de Ecocídio pelo Tribunal Penal Internacional (TPI): A destruição em larga escala do meio ambiente como crime contra a humanidade pode levar à responsabilização da União no cenário internacional.
- Convenção de Washington sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES): O Brasil é signatário, e o IBAMA é a autoridade administrativa responsável por sua implementação, regulamentando o comércio de espécies ameaçadas.
- Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB): O Brasil é signatário, prevendo a recuperação e restauração de ecossistemas degradados e espécies ameaçadas.
- Outras convenções: Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, Convenção Interamericana para a Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas (IAC/CIT), Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres (CMS), Acordo para a Conservação de Albatrozes e Petréis (ACAP), e Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional. Danos a espécies ameaçadas de extinção assumem uma faceta transnacional, justificando a competência federal.
Pedidos
Em sede de tutela provisória:
- 1. a suspensão liminar dos cadastros ambientais rurais dos demandados identificados na presente ação para que o acesso a crédito bancário seja bloqueado nos termos do artigo 16 da Resolução 433 do Conselho Nacional de Justiça.
Em definitivo:
- 1.2 a inversão do ônus da prova ab initio, considerando a prova pericial pré-constituída apresentada pelo MPF, para que o(s) demandado(s) tenha(m) a oportunidade de provar a inexistência do dano e a não utilização da área desmatada.
- 1.3. a não realização de audiência conciliatória, considerando que toda proposta de conciliação estará disponível no âmbito do projeto, com acesso pela página eletrônica do Ministério Público Federal, para que o infrator possa negociar eventual acordo.
- 2. a condenação do(s) demandado(s) em obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao dano material derivado do desmatamento da seguinte forma:
- – ANA ZILDA RODRIGUES DE SOUZA no montante de R$ 1.602.169,30.
- – ANTONIO ROZENO DA SILVA no montante de R$ 1.047.022,74.
- – PAULO DE SOUZA LISBOA no montante de R$ 855.170,62.
- – TANIA ALVES DA SILVA LISBOA no montante de R$ 855.170,62.
- – LEOMARA TAVARES DA SILVA no montante de R$ 658.054,92..
- 3. a condenação do (s) demandado (s) em obrigação de pagar quantia certa, correspondente à indenização pela emissão de CO2 na atmosfera aplicando-se o protocolo para julgamento de ações ambientais do Conselho Nacional de Justiça da seguinte forma:
- – ANA ZILDA RODRIGUES DE SOUZA no montante de R$ 1.602.198,51.
- – ANTONIO ROZENO DA SILVA no montante de R$ 1.047.011,08.
- – PAULO DE SOUZA LISBOA no montante de R$ 855.188,89.
- – TANIA ALVES DA SILVA LISBOA no montante de R$ 855.188,89.
- – LEOMARA TAVARES DA SILVA no montante de R$ 658.059,41..
- 4. a condenação do(s) demandado(s) em obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao dano moral difuso da seguinte forma:
- – ANA ZILDA RODRIGUES DE SOUZA no montante de R$ 801.084,65.
- – ANTONIO ROZENO DA SILVA no montante de R$ 523.511,37.
- – PAULO DE SOUZA LISBOA no montante de R$ 427.585,31.
- – TANIA ALVES DA SILVA LISBOA no montante de R$ 427.585,31.
- – LEOMARA TAVARES DA SILVA no montante de R$ 329.027,46..
- 5. a condenação do(s) demandado(s) em obrigação de fazer, consistente em recompor a área degradada mediante sua não utilização para que seja propiciada a regeneração natural bem como apresentação de PRAD perante a autoridade administrativa competente na seguinte proporção:
- – ANA ZILDA RODRIGUES DE SOUZA na área de 149,15 hectares.
- – ANTONIO ROZENO DA SILVA na área de 97,47 hectares.
- – PAULO DE SOUZA LISBOA na área de 79,61 hectares.
- – TANIA ALVES DA SILVA LISBOA na área de 79,61 hectares.
- – LEOMARA TAVARES DA SILVA na área de 61,26 hectares..
- 6. a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei n°7.347/85.
- 7. reversão dos valores da condenação para os órgãos de fiscalização federal (IBAMA e ICMBIO) com atuação no estado, com suporte no princípio da máxima efetividade na proteção ambiental.
- 8. seja autorizado a todo órgão de controle e fiscalização a imediata apreensão, retirada e destruição de qualquer bem móvel ou imóvel existentes na área que estejam impedindo a regeneração natural da floresta ilegalmente desmatada.
- 9. seja juntada à presente ação qualquer nova informação encontrada pelos órgãos de controle e fiscalização sobre pessoas que praticaram o dano ou que estejam realizando qualquer atividade econômica ou exploração da área para figurarem como réus da demanda, considerando o caráter propter rem da obrigação.
- 10. seja a área total, desmatada ilegalmente e identificada na presente ação, declarada como patrimônio público com a autorização para que todas as autoridades administrativas responsáveis efetuem a retomada da área com a respectiva apreensão e/ou destruição do que estiver impedindo a regeneração natural da floresta, exceto para propriedades menores do que 4 (quatro) módulos fiscais nos termos da legislação federal.
Peças anexadas com a inicial:
- Laudo pericial (código apgr00443107013).
- NOTA TÉCNICA nº 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA (Metodologia para Cálculo da Indenização).