Ministério Público Federal vs DANIEL BARBOSA DE SALES, JOAO JANUARIO DE FREITAS NETO, MANOEL CARNEIRO FRANCALIM e ASSOCIACAO NOVO ENCANTO DE DESENVOLVIMENTO ECOLOGICO

Divulgue esta ação

Resumo

Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 3 de julho de 2025
  •  O Ministério Público Federal promove esta Ação Civil Pública ambiental com o objetivo de responsabilizar os réus pela reparação de danos causados por desmatamento ilícito de 649,93 hectares na Amazônia Legal, especificamente nos municípios de Boca do Acre e Lábrea. A ação busca compelir os infratores a recuperar a área degradada, pagar indenizações por danos materiais, emissão de CO2 e danos morais coletivos, além de evitar a sensação de impunidade, inserindo-se no escopo do Projeto “Amazônia Protege”.

Contexto da ação

A presente ação civil pública faz parte do Projeto “Amazônia Protege”, um esforço colaborativo da 4ª Câmara do Ministério Público Federal e de diversos membros. Os objetivos principais do projeto são:

  • Buscar a reparação de danos ambientais causados por desmatamentos na Amazônia e a retomada das áreas afetadas.
  • Assentar o compromisso público do MPF de propor ações civis públicas para reparação de futuros desmatamentos.
  • Disponibilizar uma ferramenta pública para identificação e controle de áreas desmatadas, visando impedir sua utilização econômica.
  • Evitar a regularização fundiária de áreas recém-desmatadas ilegalmente.

Nesta fase do Projeto, estão sendo propostas ações contra todos os responsáveis por polígonos iguais ou superiores a 60 hectares desmatados ilegalmente nos anos de 2020, 2021 e 2022. O intuito é reduzir a sensação de impunidade e condescendência com práticas que atentam contra o meio ambiente.

Narrativa fática

O Ministério Público Federal ajuíza esta ação civil pública com o intuito de responsabilizar os envolvidos pela reparação dos danos decorrentes do desmatamento ilícito de um total de 649,93 hectares. Este desmatamento foi perpetrado nos Municípios de BOCA DO ACRE e LÁBREA, foi detectado por sistemas oficiais e realizado sem qualquer autorização do órgão ambiental estadual.

Como prova da materialidade

A materialidade do dano é comprovada por:

  • Documentos relacionados à causa de pedir.
  • Perícia realizada pelo corpo técnico do Ministério Público Federal, consubstanciada no laudo com código apgr00922436567.
  • Esta perícia tem como objeto a delimitação de áreas desmatadas na Amazônia e a indicação dos possíveis responsáveis, em conformidade com o artigo 11 da Resolução 433/2021 do CNJ, que permite o uso de provas produzidas por sensoriamento remoto ou obtidas por satélite em ações judiciais ambientais.
  • A prova apresentada é considerada a mais forte existente, utilizando tecnologia geoespacial que permite identificar com “precisão cirúrgica” a área desmatada e sua extensão. Essa tecnologia é pública e acessível para a defesa dos réus.

Quanto às indicações de autoria

A responsabilização pela reparação do dano ambiental possui natureza propter rem e objetiva, ou seja, independe de culpa e se configura pela simples relação do titular da área (possuidor ou proprietário) com a propriedade. Para identificar os responsáveis, o MPF utilizou dados públicos de diversos bancos, incluindo:

  • Cadastro Ambiental Rural (CAR).
  • Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) – INCRA.
  • Sistema Nacional de Certificação de Imóveis (SNCI) – INCRA.
  • Programa Terra Legal.
  • Autos de Infração e Embargo (quando disponíveis).

Cada réu responderá individualmente pela área que se sobrepõe ao seu cadastro público, e a metodologia de cruzamento de dados está detalhada no laudo pericial anexo.

Conforme as diligências, constatou-se que:

  • MANOEL CARNEIRO FRANCALIM é responsável pelo desmatamento de 275,45 hectares, segundo dados do SIGEF.
  • ASSOCIACAO NOVO ENCANTO DE DESENVOLVIMENTO ECOLOGICO é responsável pelo desmatamento de 142,1 hectares, segundo dados do SIGEF.
  • DANIEL BARBOSA DE SALES é responsável pelo desmatamento de 82,68 hectares, segundo dados do CAR.
  • JOAO JANUARIO DE FREITAS NETO é responsável pelo desmatamento de 61,55 hectares, segundo dados do CAR.

Como narrativa jurídica

A ação se fundamenta na Constituição Federal, em leis infraconstitucionais, princípios jurídicos e jurisprudência consolidada.

  • Princípios e Normas Constitucionais:
    • O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (Art. 225, caput da CF).
    • A ordem econômica está subordinada à “defesa do meio ambiente” (Art. 170, VI da CF).
    • Condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos (Art. 225, §3º da CF).
    • A Floresta Amazônica brasileira é patrimônio nacional, e sua utilização deve assegurar a preservação do meio ambiente (Art. 225, §4º da CF).
    • O princípio do desenvolvimento sustentável busca equilibrar as exigências econômicas e ecológicas, subordinando-se à preservação do meio ambiente.
    • O princípio da precaução implica a inversão do ônus da prova em ações ambientais, transferindo ao demandado o encargo de provar que sua conduta não gerou riscos ou danos.
  • Leis e Normas Específicas:
    • A Lei nº 7.347/85 (Ação Civil Pública) disciplina a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, sendo a via judicial correta para a reparação de danos ambientais materiais e morais difusos.
    • A Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor, ou seja, o dever de indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente independe da existência de culpa (Art. 14, §1º).
    • O Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) exige prévia autorização do órgão estadual competente do SISNAMA para a supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, tornando ilegal qualquer desmatamento ocorrido após 25 de maio de 2012 sem essa autorização (Art. 26).
    • O Código de Processo Civil (CPC/2015) admite a inversão do ônus da prova em casos de peculiaridades da causa, como a impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário (Art. 373, §1º).
    • A Resolução 433/2021 do CNJ permite que magistrados considerem provas produzidas por sensoriamento remoto ou satélite em ações judiciais ambientais (Art. 11). Também é base para a tutela provisória, permitindo a suspensão de cadastros ambientais rurais (Art. 16).
  • Legitimidade e Competência:
    • O Ministério Público Federal (MPF) possui legitimidade ativa para propor a presente Ação Civil Pública, em defesa dos interesses difusos e coletivos, como a proteção do meio ambiente (CF Art. 129, III; Lei nº 7.347/85; Lei nº 6.938/81). Sua legitimidade é presumida.
    • A Justiça Federal é competente para o julgamento da demanda pelos seguintes motivos:
      • Há desmatamento que incide diretamente em Áreas com sobreposição com glebas federais (ANTIMARY, B2, NOVO AXIOMA/REDENÇÃO).
      • A área desmatada está a menos de 30km de Unidades de Conservação federais (FLONA do Iquiri, RESEX Arapixi).
      • A área desmatada está a menos de 30km de Terras Indígenas (Apurinã Km 124 BR-317, Igarapé Capana).
      • O MPF é o autor da ação.
      • O dano atinge fauna e flora ameaçadas de extinção, o que envolve interesse da União (IBAMA, MMA) e compromissos internacionais.
      • O Brasil assumiu compromissos internacionais para zerar o desmatamento ilegal (Acordo de Paris), e o Tribunal Penal Internacional (TPI) classificou o Ecocídio como crime contra a humanidade, o que justifica o interesse federal.
      • Pode configurar fraude contra sistemas federais de monitoramento mantidos pelo IBAMA.
      • A proteção ambiental a espécies ameaçadas decorre de tratados internacionais assinados pelo Brasil (CITES, CDB, entre outros), conferindo uma faceta transnacional ao dano e justificando a competência federal.

Em sede de tutela provisória

O Ministério Público Federal requer a suspensão liminar dos cadastros ambientais rurais (CAR) dos demandados para que o acesso a crédito bancário seja bloqueado, nos termos do artigo 16 da Resolução 433 do Conselho Nacional de Justiça.

Em definitivo

O Ministério Público Federal requer ao Juízo:

  • A citação dos requeridos para, querendo, contestar a ação.
  • A inversão do ônus da prova ab initio, considerando a prova pericial pré-constituída do MPF, para que os demandados comprovem a inexistência do dano e a não utilização da área desmatada.
  • A não realização de audiência conciliatória, pois as propostas de conciliação estarão disponíveis na página eletrônica do MPF.
  • A condenação dos demandados em obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao dano material derivado do desmatamento, conforme:
    • MANOEL CARNEIRO FRANCALIM: R$ 2.958.883,90.
    • ASSOCIACAO NOVO ENCANTO DE DESENVOLVIMENTO ECOLOGICO: R$ 1.526.438,20.
    • DANIEL BARBOSA DE SALES: R$ 888.148,56.
    • JOAO JANUARIO DE FREITAS NETO: R$ 661.170,10.
  • A condenação dos demandados em obrigação de pagar quantia certa, correspondente à indenização pela emissão de CO2 na atmosfera, aplicando-se o protocolo para julgamento de ações ambientais do CNJ, conforme:
    • MANOEL CARNEIRO FRANCALIM: R$ 2.958.907,56.
    • ASSOCIACAO NOVO ENCANTO DE DESENVOLVIMENTO ECOLOGICO: R$ 1.526.388,28.
    • DANIEL BARBOSA DE SALES: R$ 888.177,63.
    • JOAO JANUARIO DE FREITAS NETO: R$ 661.213,12.
  • A condenação dos demandados em obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao dano moral difuso, conforme:
    • MANOEL CARNEIRO FRANCALIM: R$ 1.479.441,95.
    • ASSOCIACAO NOVO ENCANTO DE DESENVOLVIMENTO ECOLOGICO: R$ 763.219,10.
    • DANIEL BARBOSA DE SALES: R$ 444.074,28.
    • JOAO JANUARIO DE FREITAS NETO: R$ 330.585,05.
  • A condenação dos demandados em obrigação de fazer, consistente em recompor a área degradada mediante sua não utilização para propiciar a regeneração natural, bem como apresentação de Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD) perante a autoridade administrativa competente, nas seguintes proporções:
    • MANOEL CARNEIRO FRANCALIM: área de 275,45 hectares.
    • ASSOCIACAO NOVO ENCANTO DE DESENVOLVIMENTO ECOLOGICO: área de 142,1 hectares.
    • DANIEL BARBOSA DE SALES: área de 82,68 hectares.
    • JOAO JANUARIO DE FREITAS NETO: área de 61,55 hectares.
  • A dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos.
  • A reversão dos valores da condenação para os órgãos de fiscalização federal (IBAMA e ICMBIO) com atuação no estado.
  • A autorização para que todo órgão de controle e fiscalização realize a imediata apreensão, retirada e destruição de qualquer bem móvel ou imóvel existente na área que esteja impedindo a regeneração natural da floresta ilegalmente desmatada.
  • A juntada de qualquer nova informação encontrada pelos órgãos de controle e fiscalização sobre pessoas que praticaram o dano ou que estejam realizando atividade econômica na área para que figurem como réus da demanda, considerando o caráter propter rem da obrigação.
  • A declaração da área total ilegalmente desmatada como patrimônio público, com autorização para que todas as autoridades administrativas responsáveis efetuem a retomada da área com a respectiva apreensão e/ou destruição do que estiver impedindo a regeneração natural da floresta, exceto para propriedades menores do que 4 módulos fiscais.

Peças anexadas com a inicial

As seguintes peças são mencionadas como anexos à petição inicial:

  • Descrição pericial anexa.
  • Laudo pericial (código apgr00922436567).
  • NOTA TÉCNICA. 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA (Anexo 1), que aborda a metodologia para cálculo da indenização.

Documentos disponíveis

Documentos analisados pela equipe do JusClima2030 para a catalogação do litígio.

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