Resumo
Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 18 de junho de 2025Como contexto da ação, o Ministério Público Federal ingressou com Ação Civil Pública em face de DERLY DOS SANTOS RAMIRO. A ação tem por objetivo principal impor ao réu a obrigação de pagar o proveito econômico que obteve ilegalmente com a compra e comercialização de gado bovino proveniente de atividade pecuária ilegal praticada na Terra Indígena Apyterewa. Adicionalmente, busca-se a condenação ao pagamento de indenização por danos ambientais extrapatrimoniais coletivos em favor do povo indígena Parakanã, devido à violação de seus direitos territoriais.
Como narrativa fática, o Ministério Público Federal refere que esta ação civil pública tem por objeto a responsabilização pelo proveito econômico obtido com a compra de 1740 gados bovinos oriundos da Terra Indígena Apyterewa, provenientes de atividade pecuária ilegal praticada no interior desta Terra Indígena. O réu, identificado como arrendatário da FAZENDA VALADARES em Tucumã/PA, recebeu estes bovinos através de 16 Guias de Trânsito Animal (GTAs) emitidas entre 2012 e 2019. A comercialização destes bovinos gerou um proveito econômico estimado em R$ 5.020.812,84. A pecuária ilegal na Terra Indígena Apyterewa é o principal vetor de desmatamento na área, que possui o maior desmatamento acumulado da Amazônia. A atividade pecuária em terras indígenas demanda licenciamento ambiental que compete ao IBAMA com manifestação prévia da FUNAI, e no presente caso, a atividade não possuía licença e não seria passível de autorização por afrontar o direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais pelos indígenas.
Como prova da materialidade, indica o autor que a mesma consiste em farto acervo documental pré-constituído. Nomeadamente, incluem-se: Relatório Boi pirata: a pecuária ilegal na Terra Indígena Apyterewa, Relatório Boi pirata: os compradores de bovinos ilegais da Terra Indígena Apyterewa, Fichas Sanitárias Anuais dos imóveis rurais de origem dos bovinos, Parecer Técnico nº. 06/2023/SPPEA, e Cadastro Ambiental Rural da Fazenda Valadares. Os fatos narrados são comprovados por estes documentos. A autoria é demonstrada pelo fato de DERLY DOS SANTOS RAMIRO figurar como “produtor de destino” nas Guias de Trânsito Animal, verificável nas Fichas Sanitárias Anuais. A comercialização dos bovinos e o proveito econômico gerado são estimados conforme perícia que instrui a inicial.
Quanto às indicações de autoria
- DERLY DOS SANTOS RAMIRO: Responsável por receber 1740 gados bovinos oriundos da Terra Indígena Apyterewa, provenientes de atividade pecuária ilegal, através de 16 Guias de Trânsito Animal (GTAs), segundo dados do Sistema de Integração da Agropecuária (SIAPEC 3.1) da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (ADEPARÁ). Figura como arrendatário da FAZENDA VALADARES em Tucumã/PA.
Como narrativa jurídica
Os principais fundamentos legais para a ação incluem diversos artigos da Constituição Federal, como os artigos 127, 129, III e V (MPF atribuições), 231, caput e §1° (Direitos indígenas), 225, §1º, IV (Meio ambiente, licenciamento ambiental), 109, XI (Competência da Justiça Federal), 20, inc. XI, e 231, §2º (Terras indígenas, usufruto exclusivo), 231, §6º (Nulidade de atos sobre terras indígenas), 231, §4º (Inalienabilidade, indisponibilidade, imprescritibilidade das terras indígenas), e 215, § 1º (Práticas culturais indígenas).
A ação também se baseia em Leis específicas, como a Lei Complementar nº. 75/93 (Estatuto do MPF), Lei nº. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), Lei nº. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor, aplicável a direitos difusos e coletivos), Lei nº. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais, artigos 25 e 72), Lei nº. 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, artigo 3º, IV, sobre definição de poluidor), e Lei Complementar nº. 140/2011 (Competências ambientais). Normas infraconstitucionais como a Resolução/CONAMA nº. 237/1997, Portaria Interministerial nº. 60/2015, e os artigos 101, I, e 111 do Decreto nº. 6.514/2008 também são citadas.
O Código Civil (artigo 884, parágrafo único) é invocado para tratar do enriquecimento ilícito decorrente do proveito econômico obtido com o ilícito ambiental.
Decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) são utilizadas para fundamentar a imprescritibilidade da pretensão de reparação de danos ambientais e de ressarcimento do proveito econômico de ilícito ambiental (“mais-valia ecológica”), a responsabilidade ambiental solidária que abarca indiretamente responsáveis e a cadeia produtiva, o caráter objetivo da responsabilidade ambiental pela teoria do risco integral, a inversão do ônus da prova em matéria ambiental, a constitucionalidade da destruição de instrumentos utilizados em infrações ambientais, e a desnecessidade de comprovação de dilapidação patrimonial para decretação de indisponibilidade de bens em caso de dano ambiental. Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) também é citada sobre a indisponibilidade de bens.
Acordos e convenções internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), são citadas para fundamentar os direitos territoriais dos povos indígenas, seu direito à propriedade comunal e o dever do Estado de garantir o usufruto exclusivo dos recursos naturais em suas terras.
As disposições processuais relativas à tutela provisória de urgência cautelar (artigos 300 e 301 do Código de Processo Civil) e à tutela definitiva (artigos 536 e 537 do Código de Processo Civil) também são fundamentais para os pedidos.
Foram formulados os seguintes pedidos
- Em sede de tutela provisória:
- O deferimento, in initio litis e inaudita altera pars, dos pedidos de TUTELA DE URGÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR, com fundamento nos artigos 300 e 301 do Código de Processo Civil, a fim de:
- Decretar a INDISPONIBILIDADE de bens móveis e imóveis do réu, no valor de R$ 5.020.812,84 (cinco milhões, vinte mil, oitocentos e doze reais e oitenta e quatro centavos). 1.1. Expedição de ofício à Receita Federal, para que informe a existência de bens em nome do requerido. 1.2. Indisponibilidade de bens imóveis, mediante ofício à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Pará, para que comunique a todos os respectivos Cartórios de Registro de Imóveis da Comarca. 1.3. Indisponibilidade de valores depositados em conta corrente e poupança através do sistema BACENJUD. 1.4. Restrição de veículos, através do sistema RENAJUD. 1.5. Arresto, simultâneo às medidas acima, de bens móveis (maquinário e demais bens) encontrados no endereço do réu, para que possam também garantir a efetividade da presente demanda coletiva. 1.6. Outras medidas que esse juízo reputar pertinentes para a indisponibilidade do patrimônio do réu.
- A citação do réu, para, querendo, contestar a presente demanda no prazo legal.
- A intimação da FUNAI, para manifestar interesse em integrar a lide.
- O deferimento, in initio litis e inaudita altera pars, dos pedidos de TUTELA DE URGÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR, com fundamento nos artigos 300 e 301 do Código de Processo Civil, a fim de:
- Em definitivo:
- Em sede de TUTELA DEFINITIVA, que se imponha ao réu:
- OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA no valor de R$ 5.020.812,84 (cinco milhões, vinte mil, oitocentos e doze reais e oitenta e quatro centavos), a título de ressarcimento pelo proveito econômico que obteve ilegalmente com a comercialização de produto de ilícito ambiental, em favor dos Parakanã, para fins de recuperação ambiental de seu território e de implementação de medidas de proteção territorial pós desintrusão, com suporte da FUNAI.
- OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA a título de indenização por danos extrapatrimoniais coletivos derivados do ilícito ambiental, a ser destinada aos Parakanã, no valor de R$ 1.740.000,00 (um milhão, setecentos e quarenta mil reais).
- A inversão do ônus da prova, conforme a Súmula/STJ nº. 618.
- A produção de provas documentais, caso o r. juízo a quo avalie como pertinente a produção de novas provas para além das pré-constituídas que acompanham esta inicial, para elucidar a verdade dos fatos.
- A dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei nº. 7.347/1985.
- Em sede de TUTELA DEFINITIVA, que se imponha ao réu:
Peças anexadas com a petição inicial
- Lista de peças:
- Relatório Boi pirata: a pecuária ilegal na Terra Indígena Apyterewa
- Relatório Boi pirata: os compradores de bovinos ilegais da Terra Indígena Apyterewa
- Fichas Sanitárias Anuais dos imóveis rurais de origem dos bovinos
- Parecer Técnico nº. 06/2023/SPPEA
- Cadastro Ambiental Rural da Fazenda Valadares
- Perícia que instrui esta inicial (relativa ao proveito econômico)