PSB e outros vs. Congresso Nacional e Presidente da República

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Resumo

Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 28 de July de 2021

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. º 14.182/2021, que dispõe sobre a desestatização da empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras), além de promover diversas outras alterações no setor elétrico brasileiro. A lei impugnada é resultado da conversão da MP n. 1.031/2021, apresentada pela Presidência da República com o intuito de viabilizar a privatização da Eletrobras. Os autores alegam uma série de irregularidades formais no processo legislativo que ultimou a aprovação do texto impugnado.

Do ponto de vista material, entre as inserções promovidas pelo Congresso, destacam os autores a exigência de contratação obrigatória de energia proveniente de Pequenas Centrais Hidrelétricas e de usinas termelétricas a gás natural, estas últimas a serem instaladas nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. Entendem tratar-se de matéria que foge ao escopo da MP proposta pelo Executivo e que modifica a matriz energética brasileira, criando reservas de mercado adotadas sem o devido planejamento técnico. Disso, segundo sustentam, resultam violações aos princípios da separação dos poderes e da reserva da Administração (arts. 2º e 84, II, da CF), ao princípio da livre concorrência (art. 170, IV, CF), aos princípios administrativos da impessoalidade, da moralidade, da eficiência e da motivação (art. 37, caput, CF), bem como à proteção constitucional ao meio ambiente (arts. 170, VI, 225, caput, CF).

Referem que a lei impugnada ainda autorizou a União a iniciar a construção do chamado Linhão de Tucuruí – 4 linhas de transmissão que interligarão Roraima ao Sistema Interligado Nacional — às margens dos processos administrativos de licenciamento ambiental e de consulta à população indígena afetada, ambos já em curso. Esta autorização seria, segundo os autores, outra temática estranha ao objeto da MP e que ofenderia, ademais, a proteção constitucional ao meio ambiente e às terras indígenas (arts. 170, VI, 225, caput, e 231, caput, da CF), além de representar interferência indevida do Legislativo na competência administrativa do Ibama para a concessão do licenciamento, violando igualmente a separação dos poderes (art. 2º, CF).

Examinando as inovações promovidas pelo texto, sustentam os autores que seus dispositivos  definem (i) quantidades de energia a serem produzidas; (ii) tipos específicos de empreendimentos a serem fornecedores de energia; e (iii) no caso das termelétricas, os locais nos quais devem estar instalados os empreendimentos. Dessa forma, alegam que foi estabelecida uma nova matriz energética para o país, sem considerar a eficiência desse sistema, a modicidade da tarifa, a necessidade a partir da demanda e o custo ambiental dessas opções, contrariando-se o planejamento técnico já existente para um setor que envolve ministérios, agências reguladoras e toda uma complexidade de atores.

A par disso, afirmam ainda os autores que a inclusão compulsória de termelétricas inflexíveis ocasiona não só um menor aproveitamento do potencial renovável (solar e eólico) no Brasil, como onera desnecessariamente o consumidor, ao impor uma fonte muito mais cara. Referem que, comparadas com as térmicas a gás natural, as renováveis são mais competitivas economicamente, com custos operacionais e emissões praticamente nulos, além de gerarem mais empregos. As termelétricas a gás natural não seriam uma opção ambientalmente viável, eis que comprometem o processo de descarbonização da economia necessário para o cumprimento dos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil.

A obrigatoriedade de contratação de termelétricas a gás natural e de pequenas centrais hidrelétricas também violaria, consoante os autores, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a vedação ao retrocesso ambiental, por afastar, sem qualquer embasamento, alternativas de geração de energia menos impactantes.

Especificamente em relação às termelétricas a gás natural, frisam os autores que estas, além de representarem custos maiores comparadas a outras opções energéticas, tornam mais distante a necessária descarbonização da matriz elétrica brasileira. A inserção de 8 GW de usinas termelétricas, em um parque atual de 14,8 GW de potência fiscalizada29, provocará o aumento da geração termelétrica a gás natural, e consequentemente, das emissões anuais de gases de efeito estufa (GEE), causadores das mudanças climáticas. Considerando o fator de capacidade de 70% para as usinas instaladas, as emissões anuais gerarão acréscimo de 17,5 MtCO₂e (megatoneladas de dióxido de carbono equivalente), ou aumento de 32,7% em relação às emissões do setor elétrico registradas em 2019 e de 60,0% em relação às emissões do parque de termelétricas a gás natural no mesmo ano. As emissões acumuladas decorrentes dos quinze anos de operação dessa capacidade instalada totalizarão 260,3 MtCO₂e, mais do que as emissões de todo o setor de transportes em 2019. Apenas a título comparativo, as emissões acumuladas originadas da nova capacidade instalada seriam equivalentes a mais de três anos das emissões de toda a economia chilena.

Com essa opção imposta pelo legislador, sustentam os autores que o país caminhará em rota de colisão com os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris, internalizado em nosso sistema jurídico. Reforçam que, pela lógica do referido acordo internacional, os países devem se guiar pela máxima ambição possível em termos de redução de suas emissões.

Referem os autores que esse aumento das emissões de GEE colide também, frontalmente, com a meta do país de zerar as emissões líquidas em 2050, anunciada pelo Presidente da República em abril deste ano, na cúpula do Clima organizada pelo Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden. O Presidente Bolsonaro teria afirmado na ocasião: “(…) determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior. O alcance da neutralidade climática em 2050 necessariamente passa pela redução das emissões de combustíveis fósseis desde a década atual e, também, pelo descomissionamento de termelétricas alimentadas por esse tipo de fonte. Passaria, consoante os autores, ainda, por um planejamento adequado para a descarbonização de todos os setores da economia, considerando que a meta brasileira para o Acordo de Paris abrange a economia como um todo.

Documentos disponíveis

Documentos analisados pela equipe do JusClima2030 para a catalogação do litígio.

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