Instituto Preservar; Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN; Núcleo Amigos da Terra – Brasil vs União Federal e outros

Divulgue esta ação

Resumo

Elaborado pela equipe do JusClima2030 em 28 de October de 2023

Petição Inicial

O Instituto Preservar, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN e a associação civil Núcleo Amigos da Terra – Brasil ingressaram em julho de 2023 com ação civil pública, indicando como réus a União Federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, a Companhia de Geração e Transmissão de Energia Elétrica do Sul do Brasil – Eletrobras CGT Eletrosul (SE & UTE Cantiota III), o Estado do Rio Grande do Sul, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler – FEPAM e a Companhia Riograndense de Mineração – CRM.

Como narrativa fática, a inicial sumariza elementos científicos apresentados pelo Relatório Síntese do IPCC no sexto ciclo de avaliação (AR6), pontuando que a publicação indica o consenso científico sobre a influência antrópica nas mudanças climáticas observadas, com ameaças ao bem-estar humano, às sociedades e à Natureza. O Relatório do IPCC indica, consoante a inicial, a responsabilidade da persistência na queima de combustíveis fósseis para o agravamento das mudanças climáticas. Os principais riscos afetos pelo agravamento das mudanças climáticas na América do Sul são pormenorizados pela inicial, sendo referidos eventos climáticos extremos recentemente ocorridos no Estado do Rio Grande do Sul (ciclone e estiagens severas).

Especificamente quanto ao município de Candiota, a peça inicial reporta a assinatura do Decreto municipal número 4.595/2023, com a determinação de racionamento de água potável na localidade. Concomitantemente, refere que os recursos hídricos daquela região são utilizados de modo intenso pelas termelétricas movidas a carvão em atividade, em detrimento do abastecimento à população local.

Argumenta que os entes públicos indicados na inicial não estão tomando as medidas necessárias para cumprimento das normas vigentes em matéria de mudanças climáticas (a exemplo da PNMC e da PGMC), ilustrando com a persistência na manutenção da matriz energética baseada em combustíveis fósseis, notadamente o carvão mineral no contexto do Rio Grande do Sul. Ponderam os autores que os réus indicados igualmente estariam negligenciando a avaliação sobre o componente climático, assim como o regime jurídico incidente em matéria de mudanças climáticas, por ocasião de licenciamentos e de renovação de licenças a atividades intensivas em emissões no Estado do Rio Grande do Sul. Reforçam a conexão causal entre a opção pelo prosseguimento da exploração de matriz fóssil e o descumprimento de compromissos normativos assumidos em matéria de enfrentamento às mudanças climáticas, tais como o Acordo de Paris e a legislação federal e estadual correlatas.

A inicial narra que o Ibama e a Fepam persistiriam realizando licenciamento de empreendimentos sem considerarem o componente climático em suas avaliações, e que a Aneel seguiria realizando leilões de energia direcionados às usinas termelétricas. A CRM, segundo os autores, estaria operando as usinas em desrespeito à legislação vigente, e a CTG Eletrosul, ao persistir no funcionamento de usina excessivamente emissora, igualmente estaria descumprindo os princípios e diretrizes que juridicamente regem o tema.

O Estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, teria tardiamente implementado o Fórum Gaúcho sobre Mudanças Climáticas, carecendo o mesmo, quando finalmente implementado, da devida representativa dos integrantes da sociedade civil gaúcha.  O Estado igualmente não teria ainda implementado avaliações ambientais estratégicas devidas sobre o tema. Reforçam os autores a necessidade de readequação da composição do Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas, destacando a ausência de transparência dos atos do Fórum, a insuficiente participação nos processos de licenciamentos ambientais de empreendimentos emissores de gases de efeito estufa.

Como narrativa jurídica, a inicial reforça a legitimidade dos autores para o ajuizamento da demanda. Em seguimento, asseveram os autores o descumprimento pela União, Ibama e Aneel, da Lei n. º 12.187/2009. A União estaria omissa em criar a efetivas os instrumentos previstos na legislação citada.

Apontam uma série de irregularidades no licenciamento da usina Candiota III, tais como a inobservância do componente climático no licenciamento, violações aos parâmetros de emissões de GEE, e referem a gravidade dos danos climáticos em virtude do funcionamento da usina. Aponta a ausência de pareceres técnicos quantos aos impactos da usina, em desrespeito à lei de acesso à informação.

A inicial arrola irregularidades na renovação do licenciamento da Mina de Carvão Mineral Candiota e argumenta padecer de nulidade o Termo de Compromisso Ambiental celebrado pela FEPAM e Companhia Riograndense de Mineração – CRM, em razão da inobservância da legislação ambiental, especialmente, das diretrizes da PNMC e PGMC e inexistência de análise do componente climático em atividade altamente poluidora.

Reforça a inicial que mesmo após 13 anos da PGMC e após 10 (dez) anos do prazo determinado por essa legislação estadual climática, não haveria notícia da criação e implantação da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) no Rio Grande do Sul, de modo que haveria, portanto, cabal violação das determinações normativas da Política Gaúcha de Mudanças Climáticas e das diretrizes nacionais e internacionais.

Os autores ponderam, ainda, sobre a necessidade de promoção de transição energética justa, com atenção aos trabalhadores, mediante a formulação de políticas de transição que abarquem estratégias para inclusão dos trabalhadores do setor minerário no mercado de trabalho, prevenindo/mitigando a perda dos postos de trabalho com a substituição de vagas/oportunidades de qualidade e com garantia de direitos trabalhistas e previdenciários. Postulam os autores pelo reconhecimento do direito à assessoria técnica independente e do direito à participação informada das pessoas atingidas.

A violação de deveres e de princípios basilares do direito ambiental associados ao desrespeito às diretrizes da PNMC, do Acordo de Paris e da PGMC, pela ampliação de emissões de GEE, a falta de medidas adequadas de proteção ambiental das APP’s e matas nativas do bioma pampa, a contaminação das águas, do solo e do ar pelos empreendimentos minerários e termelétricos ensejaria, ademais, a necessidade de condenação dos Réus em danos morais coletivos.

Pede-se a incidência da súmula 618 do STJ e, portanto, inversão do ônus da prova, em suma, porque: ( i ) a Ação Civil Pública Climática tem por causa de pedir próxima a ocorrência de efetiva degradação ambiental ( poluição ), nos termos do artigo 3º, III, da Lei nº 6.938/81, e; ( ii ) a presente ação trata de violações a diversos DHESCA, especialmente, às diretrizes, metas e planos previstos no Acordo de Paris, na PNMC e PGMC, decorrentes da matriz energética movida a combustíveis fósseis potencialmente lesivos à saúde humana e ao meio ambiente, que exigem a aplicação do princípio da precaução subjacente ao artigo 225, caput, da Constituição Federal, dentre elas a inversão do ônus da prova.

Como medida de tutela de urgência, requereu a inicial:

a) Em sede de TUTELA DE URGÊNCIA , com base no princípio da precaução e no conjunto de evidências científicas sobre a necessidade de medidas urgentes para mitigar os graves efeitos das mudanças do clima e reduzir/evitar os danos ambientais coletivos provocados pelas atividades altamente poluentes dos réus , que seja deferida medida liminar inaudita altera pars para o efeito de determinar que: i) seja declarada a situação de Emergência Climática no Rio Grande do Sul ;

Foram formulados pedidos liminares específicos em face da União, da Aneel, do IBAMA, do Estado do Rio Grande do Sul, da FEPAM, da Eletrobras e CTG Eletrosul, e da CRM.

No mérito, a ação civil pública requer:

i) a confirmação de todos os pedidos requeridos em sede de antecipação de tutela, enquanto pedidos de mérito; ii) seja declarado que, no período de 2009 a 2023 (Lei nº 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC ) a União , e de 2010 a 2023 (Lei Estadual nº 13.594/2010, que institui a Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas − PGMC ) o Estado do Rio Grande do Sul , por ação ou omissão deixaram de atender às diretrizes legais e não cumpriram os prazos e metas previstos na PNMC, no Acordo de Paris e na PGMC, pois não deram efetividades às referidas normas climáticas e não foram tomadas medidas de redução das emissões de GEE das usinas termelétricas movidas a carvão mineral no Estado do Rio Grande do Sul; iii) seja declarado que o ERS descumpriu as METAS E PRAZOS previstas nas normas internacionais, nacionais e estaduais sobre o tema, especialmente, os prazos e metas previstos no art. 8 e 30, da Lei Estadual 13.594/10 (PGMC);

iv) seja determinada: 1) a suspensão de qualquer forma de incentivo público à exploração do carvão (mineração e termelétrica) no Estado do Rio Grande do Sul; 2) a execução do plano de Transição Energética Justa (TEJ) , em conformidade com o disposto na legislação federal e estadual, envolvendo os trabalhadores da UTE Candiota III e Mina Candiota , a fim de evitar desemprego, melhorar as condições e saúde dos trabalhadores e recuperar as áreas degradadas, recompor as APP´s, limpar os cursos hídricos e reduzir as emissões de GEE da cidade de Candiota; 3) a publicação de editais conjuntos para o financiamento de projetos educacionais e de projetos de pesquisa com universidades e institutos federais que estimulem a conscientização ambiental e as diretrizes da PNMC e da PGMC, sobretudo, em ações concretas relacionadas com o art. 15, da Lei Estadual 13.594/10; 4) após a nova composição do FGMC, a criação de um GT, para tratar sobre o descomissionamento, transição energética e gerência do fundo a ser criado, com ampla participação dos trabalhadores afetados pelo fechamento de empreendimentos e das organizações socioambientais integrantes da nova estrutura do Fórum e das universidades; 5) em razão da baixa eficiência e do alto grau de emissão de GEE, determinar a suspensão e a não renovação do contrato de comercialização de energia elétrica para Candiota III e a revogação das Licenças de Operação da Mina Candiota e da UTE Candiota III; c) a condenação dos réus à reparação integral dos danos climáticos, ambientais, sociais e econômicos decorrentes do não cumprimento da PNMC, Acordo de Paris e PGMC, por meio dos planos, projetos e ações, inclusive os emergenciais, criados e executados no âmbito do Plano de Transição Energética Justa, que deve possuir diagnóstico Social e Econômico e Plano de Reparação Integral de Danos, que identificará, avaliará e valorará, em todas as suas dimensões, extensão e intensidade, os danos; d) a condenação da União e do ERS ao aporte de recursos orçamentários e financeiros suficientes à consecução dos pedidos acima expostos, sobretudo, para garantir as atividades do FNMC e do FGMC, assim como o pleno cumprimento das diretrizes, objetivos, planos, metas, inventários necessários para efetivar um processo de Transição Energética Justa que reduza as emissões de GEE do estado do Rio Grande do Sul; e) a condenação de todos os réus ao pagamento do valor de R$10.000.000,00 (dez milhões de reais) a título de danos morais coletivos em matéria ambiental e climática; f) a intimação do Ministério Público Federal, nos termos do art. 5º, §1º da Lei nº 7.347/85; g) a dispensa do recolhimento de custas às entidades autoras, consoante o art. 18 da Lei nº 7.347/85 e art. 98 e ss. do CPC, considerando serem as autoras associações sem fins lucrativos com recursos integralmente aplicados na realização de seus objetivos institucionais, e possuírem reconhecido interesse público; h) a condenação dos réus ao pagamento de honorários sucumbenciais nos termos do art. 85 do CPC; e i) a produção de todo meio de prova em direito admitido, especialmente, a documental, pericial e testemunhal, bem como seja reconhecido o dever dos réus de financiamento das perícias e o disclosure de todas as informações relevantes.”

Decisão liminar:

Em 10 de julho de 2023 foi proferida decisão liminar nos autos. De início, a decisão acolheu a legitimidade das autoras para o ajuizamento da demanda, com a dispensa do pagamento de custas. Em seguimento, em caráter precário, não foi acolhido o pleito de inversão do ônus da prova, referindo o juízo não haver o relato na inicial de dificuldades da parte autora para produção probatória. A tutela de urgência foi indeferida, ponderando o juízo a necessidade de observância da razoabilidade em antecipar o direito, notadamente em razão da envergadura do conteúdo da ação proposta. Asseverou, de todo modo, reconhecer os efeitos que as mudanças climáticas vêm causando ao planeta – consoante reconhecido pelos organismos internacionais e amplamente divulgado na mídia -, o processo para adaptação dos países tem sido mais lento que o desejável, de modo que o dano ao meio ambiente e às atuais e futuras gerações vem ocorrendo de forma gradual e, quiçá, irreversível, infelizmente.

Contestação CRM

A CRM apresentou contestação no feito. Preliminarmente, postulou pela inépcia da inicial, que conteria pedidos incompatíveis entre si. Refere que a demanda careceria igualmente de interesse processual, vez que as autoras buscariam, em suma, a impugnação de uma atividade lícita, legal, que observou o devido processo legislativo, em plena sintonia com a legislação ambiental. No mérito, a CRM pondera que todas as atividades desenvolvidas pela Ré sempre foram exercidas rigorosamente de acordo com o Código Brasileiro de Mineração, sem qualquer reparo, atendendo integralmente os seus objetivos sociais previstos no seu estatuto social, que aliás, são chancelados por atos assembleares, em atividade lícita e prevista em seus atos constitutivos. Reflete a CRM que acaso deferida a paralisação das atividades minerárias, como querem os Autores, não estariam sendo observados os princípios da Precaução e da Prevenção, uma vez que estes preconizam o afastamento do perigo de dano, mas justamente o contrário, sendo que a Ré CRM preconiza que é a imperativo a necessidade de realizar a recuperação das áreas mineradas concomitantemente com a atividade de mineração, a fim de evitar passivos ambientais de difícil recuperação e garantindo assim uma atividade sustentável. Postulou pela total improcedência da ação proposta.

Contestação Eletrosul

A COMPANHIA DE GERAÇÃO E TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA DO SUL DO BRASIL – ELETROBRAS CGT ELETROSUL apresentou contestação. Preliminarmente, alegou a falta de interesse processual, a incontroversa regularidade do licenciamento ambiental da UTE Candiota III, a indevida tentativa de implementação de política pública via Poder Judiciário, e a inadequação da via eleita. Referiu a ilegitimidade ativa dos requerentes, a regularidade do licenciamento ambiental, a falta de pertinência temática dos requerentes em pleitear direitos trabalhistas, e a inépcia da petição inicial por incompatibilidade entre os pedidos.

No mérito, alegou a ausência de responsabilidade da Eletrosul, inocorrência de dano ou de atividade lesiva ao meio ambiente e a regularidade do licenciamento ambiental; a inexistência de previsão legal específica para o licenciamento climático; a ausência de efeito vinculante do Acordo de Paris; a inexistência de danos morais coletivos; a violação ao princípio da separação de Poderes, falta de requisitos para a inversão do ônus da prova e ausência de pressupostos para o deferimento do pleito liminar.

Contestação ANEEL

A ANEEL apresentou contestação. Referiu a Divisão de atribuições legais entre a ANEEL e a União (Poder Concedente), e que os Limites a atuação institucional da ANEEL reforçam sua Ilegitimidade passiva. Referiu que na estrutura orgânica da ANEEL, há um setor voltado aos temas da inovação e da transição energética, e que estão em desenvolvimento milhares de projetos de pesquisa e desenvolvimento e de eficiência energética que contribuem para a transição energética. Argumenta que reafirmar que compete à União, por intermédio do Ministério de Minas e Energia: i)  formular e assegurar a execução de Políticas Públicas para a gestão sustentável dos recursos energéticos;  ii) formular as políticas nacionais de aproveitamento dos recursos hídricos, eólicos, fotovoltaicos e de demais fontes para fins de energia elétrica; iii) fixar as diretrizes para o planejamento do setor de energia, inclusive a elétrica; iv) estabelecer políticas nacionais de sustentabilidade e de desenvolvimento econômico, social e ambiental dos recursos elétricos, energéticos e minerais; v) zelar pelo equilíbrio conjuntural e estrutural entre a oferta e a demanda de energia elétrica no País. 

Refere que os leilões promovidos pela ANEEL para contratação de concessionários para produção de energia elétrica são realizados a partir das diretrizes estabelecidas pela União, nas quais são especificadas os tipos de fontes que poderão participar do procedimento licitatória, bom como o prazo de contratação, segundo os parâmetros estabelecidos na legislação. Assim, pondera que a participação de fontes não renováveis em leilões não decorre de escolha discricionária da ANEEL, mas sim em observância às diretrizes estabelecidas pela formuladora de políticas públicas, a União. Sustenta que a correta leitura Lei nº 12.187/2009, que institui da Política Nacional sobre a Mudança do Clima, não autoriza o acolhimento de pedidos da espécie. Afirma que que não compete à ANEEL realizar estudo da espécie. Conforme já expostos no tópico inicial desta contestação, ao expor as atribuições legais da União e da ANEEL, não cabe à Agência (responsável pela regulação e fiscalização da produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em estrita observância das políticas e diretrizes formuladas pela União), elaborar o estudo pretendido pela autoras. Assim, reforça que o pedido de apresentação de estudos sobre a viabilidade e os impactos da geração de energia de matrizes renováveis no Estado do Rio Grande do Sul deve ser julgado improcedente.

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